O JPN visitou a “nova casa” do Teatro Experimental do Porto, no CACE Cultural, no âmbito do seu 70º aniversário. Conversamos com Gonçalo Amorim, diretor artístico do TEP, e com as artistas Tânia Dinis e Sara Barros Leitão. As peças das duas criadoras, "Elas entram e ficam!" e "Teoria das Três Idades", sobem a palco no próximo fim-de-semana.

No próximo domingo (18), o Teatro Experimental do Porto (TEP) vai celebrar a sua sétima década de existência. Tendo estreado o seu primeiro espetáculo em 1953, o TEP é a companhia de teatro mais antiga de Portugal e um marco da história da cidade Invicta.

Apesar do Porto ser a sua cidade natal, de 1994 a 2021 a vida desta companhia foi marcada por uma grande itinerância, sem um poiso certo, que a obrigou a viver por alguns anos em Vila Nova de Gaia. Em 2021, regressou à cidade natal a convite da Câmara Municipal do Porto, para tornar as instalações do CACE Cultural, localizado na Rua do Freixo (outrora conhecida como central elétrica de Campanhã), no seu novo lar.

Em julho de 2021, o JPN conversou com Gonçalo Amorim, diretor artístico do TEP, sobre a boa nova da companhia ter finalmente uma casa. Passados quase dois anos, fomos conhecer o espaço que acomoda 70 anos de histórias.

Mais que uma casa, “um ninho de artistas”

Cruzando as portas de um dos edifícios do CACE Cultural, uma placa indica a entrada do “Teatro Experimental do Porto”. Entrando, deparamo-nos com um pequeno átrio e, à esquerda, na sala de ensaios, Tânia Dinis e Gonçalo Amorim prepararam o espetáculo “Elas entram e ficam!”, a estrear no dia 16 de junho.

Sorridente, o diretor artístico recebe a e equipa do JPN e mostra os “cantos à casa”. Garante que o espaço “é maior do que parece” e em todas as assoalhadas perdura um sentimento acolhedor. Gonçalo Amorim reitera que cuidam muito bem do espaço: “pintamos paredes, regamos plantas, temos-lhe dado muita personalidade, alma”.

No fim da visita pelas artérias da companhia chegamos àquilo que provavelmente pode ser equiparado ao seu coração, o arquivo. O diretor artístico chama a nossa atenção para uma estante com inúmeros dossiês, numerados até ao 258 – cada um destes contém um espetáculo apresentado pelo coletivo. Aponta para o 220, onde pode ler-se “A morte de um Caixeiro Viajante”, e diz: “Este foi o primeiro espetáculo que encenei no Teatro Experimental do Porto”.

Findada a visita guiada, confessa que a equipa sente “uma enorme felicidade” por finalmente haver um espaço digno para armazenar o alargado espólio, bem como uma “boa sala de ensaios”. Ter uma casa acarreta um grande poder simbólico: “sinaliza que a companhia está viva”. Além disso, para manter o tradicional “ninho de artistas”, um lar é essencial.

No que concerne ao projeto de remodelação do CACE Cultural, apresentado pela Câmara do Porto em 2021, o diretor artístico diz-nos que as obras no complexo ainda não começaram. Apesar do processo não afetar diretamente o edifício onde se encontra a companhia, visto que está em boas condições, existem duas blackboxes (pequenas salas de espetáculos polivalentes) contempladas no projeto. Por essa razão, Gonçalo Amorim espera que as intervenções “comecem o mais rápido possível”, pois o TEP tem planos para apresentar espetáculos lá.

O teatro tem de se adaptar, mas nunca vai morrer

Desde o seu nascimento que o Teatro Experimental do Porto mantém o costume de “estar atento ao que vem de novo”. Revolucionar a cena artística e cultural portuguesa começou logo com o primeiro diretor artístico, António Pedro, que imprimiu na cena teatral inovações que a empurraram para fora do tradicionalismo da altura.

Atualmente, Gonçalo Amorim continua a tentar “manter a chama viva do que pode ser o teatro experimental e coletivo”. Para isso, por um lado, há que manter o costume de “viveiro de artistas” que a companhia sempre foi; por outro, é preciso pensar nos anos vindouros e tentar atrair “novos públicos”.

Com isso em mente, quanto ao futuro próximo, confessa que já há um plano traçado. Para se poder candidatar a apoios da Direção-Geral das Artes, o TEP teve de apresentar um projeto, ou um “guia”, para quatro anos. Com isto pretendem “dar continuidade e consolidar a equipa”, com as condições necessárias para poder fazer “um bom trabalho”. A longo prazo, Gonçalo Amorim ambiciona também prolongar as “carreiras” dos espetáculos, “mesmo correndo o risco de ter pouco público” – acredita que, ao estender os dias em palco, permite-se que a notícia “ressoe na cidade”. Desta forma, as pessoas podem organizar-se para comparecer.

No que concerne ao teatro, em si, o criador reconhece que “está em crise, mas nunca irá morrer”. “Dos escombros aparecerá sempre alguém a contar uma história”, garante, até porque a relação performativa “de humano para humano” é uma das ferramentas utilizadas “para aprender e ensinar” desde os tempos da Grécia Antiga. “Ninguém aguenta sem histórias, sem poesia”, acrescenta ainda.

Acredita que se trata de uma arte resiliente e por isso não tem “medo nenhum”. Nesse sentido, aponta que, mesmo com a guerra, “o teatro na Ucrânia não parou”; outro exemplo foi a pandemia, que impossibilitava frequentar salas de espetáculos – e, aí, “passou para o online”. A arte performativa “está sempre disponível para mudar as ferramentas, mas a sua essência permanecerá a mesma”: isto é, incita a pensar em “como é que, através de uma história, altero ou amplifico o curso da nossa vida coletiva”.

Mais que uma companhia, um “arquivo vivo”

O Teatro Experimental do Porto tem uma vida longa e devidamente registada –  aliás, a coleção de memórias é, como refere Gonçalo Amorim, o coração da companhia. “Ao relacionares-te com um arquivo tão antigo” como este “estás-te a relacionar também com a história sociocultural e política do teu país”, declara.

São, então, sete décadas meticulosamente tratadas pelas mãos do “Senhor Joaquim” (Joaquim Portugal), um dos sócios mais antigos da companhia. Com quase 90 anos, “cuida há mais de 25 anos do arquivo, de forma amadora, segundo a sua própria lógica de organização”, diz-nos o diretor artístico.

O arquivo tem sido sempre “tratado com muito amor”. Recentemente recebeu inclusive o apoio de arquivistas e restauradores, que quiseram preservar a estrutura criada pelo “Senhor Joaquim”. O investimento nesta secção veio da realização de que, atendendo à sua idade, os documentos, fotografias e outros materiais requerem um “tipo de armazenamento e manuseamento” específico.

Contudo, Gonçalo Amorim explica que foi necessário arranjar uma “solução que permita mexer” nos materiais livremente. Para o TEP, o arquivo não é algo fechado numa sala escura, mas um organismo “vivo” – um valioso conjunto de saberes e testemunhos que são constantemente procurados. 

“Elas entram e ficam!” e “Teoria das Três idades”: ativações artísticas de um armazém de histórias

Foi, aliás, “esta mania” de mergulhar na memória que recentemente deu origem a dois espetáculos – os mesmos que vão estrear este fim-de-semana para assinalar o aniversário do TEP.

“Reativar” ideias, olhar para o passado para que se possa viver o presente e encarar o futuro é algo que a companhia tem vindo a fazer ao longo dos anos. Assim, “Elas entram e ficam!”, de Tânia Dinis, parte de textos, peças e fotografias vindos do baú. A criadora pretende fazer “uma viagem dramatúrgica e visual” dos papeis femininos representados entre 1953 e 2023.

Segundo Gonçalo Amorim, a encenadora “foi à procura das mulheres que estão dentro do arquivo”, partindo da ideia de que as figuras femininas no teatro “entram e saem”, ou vêm apenas para “dar um recado, ou entregar uma carta, ou são as ‘criadinhas’”. Mas nesta peça, as mulheres entram e ficam. Tânia Dinis explica ao JPN que o objetivo é “refletir sobre o papel” delas no teatro e “trazer para os dias de hoje” estas personagens e os seus ensinamentos, que se encontravam conservados no fundo de caixas.

Para além desta estreia, Sara Barros Leitão regressa com “Teoria das Três idades”, espetáculo que apresentou aquando o 65.º aniversário do TEP. Feito a partir de recortes de jornal, cartas, cortes de censura e fotografias, esta peça pretende, mais uma vez, reavivar “memórias, vidas, sonhos e lutas”.

Ao JPN,  partilha que tem sido um desafio regressar a este espetáculo: revisitar não só “as histórias e o arquivo” pelos quais se apaixonou há cinco anos, mas também perceber que o próprio espetáculo – tanto o de agora como o que na altura exibiu -, “já fazem eles próprios parte do arquivo”. Para a atriz, reativar esta performance e o que a constitui tem sido um “diálogo comigo própria”, confessa.

“Elas entram e ficam!” entra em cena nos dias 16 e 17 de junho, no Rivoli. Já “Teoria das Três Idades” sobe a palco nos dias 18 e 19, no Mosteiro São Bento da Vitória. Quanto ao Teatro Experimental, continuará a morar na zona da Campanhã, pronto para novos capítulos, mais e novas caras, com o espírito de sempre.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira