Organização Internacional para as Migrações estima que 400 a 700 pessoas estariam a bordo do barco que naufragou ao largo da costa grega a 14 de junho. Ao JPN, o deputado Rui Tavares considera que o que se passa no Mediterrâneo é "uma mancha que irá ficar por muito tempo na história da Europa".

Até ao final de maio, chegaram a Itália mais de 54 mil migrantes através do Mediterrâneo. Foto: Piero Cruciatti/European Union 2023-EP

O naufrágio de um barco carregado de migrantes ao largo da costa grega, a 14 de junho, que resultou na morte confirmada de 78 pessoas e no desaparecimento de centenas de outras, incluindo mulheres e crianças, voltou a trazer para a ordem do dia o drama dos que tentam atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa.

O desastre aconteceu uma semana depois de o Conselho da Europa ter chegado a um acordo sobre a revisão da legislação que diz respeito ao asilo e migração – acordo que terá de ser ainda negociado com o Parlamento Europeu -, e escassos dias após a Comissão Europeia ter anunciado um pacote de ajuda financeira de 900 milhões de euros à Tunísia que visa, entre outros objetivos, conter a partida de migrantes ilegais a partir daquele país.

Perante mais um “dia negro para o Mediterrâneo”, o Livre chama a atenção para as alterações ao novo Pacto de Migração e Asilo da União Europeia. Num comunicado enviado às redações, o partido considera que a proposta do Conselho Europeu “falha crucialmente na proteção e defesa de direitos fundamentais” e “torna mais severa a legislação para o acolhimento de migrantes”.

Ao JPN, Rui Tavares, fundador do Livre, descreve os naufrágios no Mediterrâneo como o “grande escândalo moral do nosso tempo” e argumenta que acidentes como o naufrágio na Grécia poderiam ser evitados com o uso das políticas corretas: “Esta é uma mancha que irá ficar durante muito tempo na história e memória da Europa, principalmente, porque isto poderia ser evitado”, afirmou ainda o historiador.

Esta terça

Rui Tavares

Rui Tavares refere que não é “difícil chegar à conclusão de que a economia europeia precisa de migrantes” e destaca que será difícil os países da União Europeia chegarem a um consenso quanto à política de migração: “Duvido muito que venha a acontecer [um consenso], porque há alguns governos e alguns países que preferem a situação tal como ela está”. O antigo eurodeputado ainda comenta que “uma vez que eles beneficiam com um sistema que não funciona, eles estão apostados em não deixar funcionar o sistema”.

Rui Tavares acredita que à proposta de assistência financeira à Tunísia por parte da União Europeia “não é uma solução” para o problema do tráfico humano e da migração ilegal e “é uma espécie de tampão, tratando-se apenas uma solução temporária, como as já implementadas na Turquia e na Líbia.

Apesar das críticas às políticas migratórias da União Europeia e ao acordo financeiro com a Tunísia, o líder do partido LIVRE ainda acredita na possibilidade de haver um sistema de políticas migratórias melhor do que aquele que existe hoje: “Isto vai ter que ter uma resolução, mas não acredito que ela seja pra breve”.

Numa perspectiva nacional, Rui Tavares, que apoia o acolhimento de imigrantes, evidencia os benefícios de uma política de migração recetiva: “O facto de Portugal poder ser um país de acolhimento de imigrantes, ajuda o país a resolver um problema de envelhecimento da população e da diminuição da população, que de outra forma poderia ser muito mais grave”, considera.

Mais de mil mortos e desaparecidos este ano no Mediterrâneo central

As reações ao naufrágio vieram de várias quadrantes. O secretário-geral da ONU, António Guterres, mostrou-se “horrorizado” com a tragédia – estima-se que seguiam no barco entre 400 e 700 pessoas -, e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) também tornou público o profundo “choque” com as notícias deste caso.

O português António Vitorino, atual diretor-geral da OIM, também reagiu a este caso numa entrevista à rádio TSF. Nela, o responsável sublinhou o fracasso da União Europeia em proteger os migrantes do barco que naufragou na Grécia: “A verdade é só uma: o direito humanitário e o direito internacional do mar obrigam os estados a assumir responsabilidades em matéria de busca e salvamento”, o que pode não ter acontecido neste caso.

A justificação da guarda costeira grega para não ter ajudado o barco de imediato foi que as pessoas a bordo recusaram ajuda – a BBC publicou recentemente uma investigação que contesta essa versão -, afirmando que os migrantes a bordo desejavam prosseguir para o seu destino final, a Itália. O diretor-geral da OIM considera que a falta de auxílio é “inexplicável”, porque “não havia a menor dúvida de qual era a situação” do barco.

Na entrevista, António Vitorino chama a atenção para o problema que a União Europeia enfrenta, relativamente à falta de segurança na rota do Mediterrâneo: “Este ano, nós registamos já mais de mil mortos e desaparecidos na rota do Mediterrâneo central”. Em sua opinião, a União Europeia opta por não aceitar os migrantes vindos do Mediterrâneo e justifica este posicionamento com base em argumentos falaciosos.

António Vitorino chama ainda atenção para o facto de este naufrágio, que classificou como “o mais grave no Mediterrâneo Central desde 2017”, acontecer num contexto de “agravamento em geral das chegadas”. “Até finais de maio, chegaram a Itália cerca de 54 mil pessoas, o que representa o dobro das chegadas do ano passado no mesmo período de 2022. E como deve calcular, muitos destes mortos são encontrados, mas muitos não e, portanto, estamos perante uma verdadeira tragédia”, concluiu.

Editado por Filipa Silva