Durante décadas, o cinema era uma das distrações mais populares entre os portuenses. Hoje, das salas de espetáculo da Sétima Arte, restam edifícios com histórias bem diferentes para contar.
Até aos anos 80 eram vários os cinemas espalhados um pouco por toda a cidade do Porto, desde a baixa até à Foz. O declínio dos lucros e o aparecimento dos multiplex fez com que muitos fechassem ou desaparecessem enquanto outros “renasceram” em forma de negócios como hóteis, bingos e até igrejas. O JPN foi descobrir o que resta daquelas que foram, há mais de 20 anos, algumas das salas mais importantes do Porto.
Cinema Olympia
O cinema Olympia, na rua Passos Manuel, bem perto do Coliseu do Porto, abriu portas a 18 de maio de 1912 pela mão de Henrique Alegria – produtor cinematográfico, filho de pai brasileiro e mãe portuguesa.
Os jornais da época descreviam as instalações como “modelares, elegantes e luxuosíssimas”, na altura já com iluminação elétrica e a projeção dos filmes com uma nitidez e fixagem absolutas. Tinha uma lotação para 600 pessoas e que várias vezes encheu com filmes de cariz mais popular, como os de cowboys, por exemplo, mas também com estreias como “Amor de Perdição”, de George Pallu.
“O cinema deixou de render, de dar lucro e de compensar tê-lo aberto”
Margarida Neves
Foi comprado pela empresa da família Neves&Pascaud e na época de 60 e 70 já se encontrava numa fase de decadência, com uma programação secundária. Na década de 80, o cinema fecha de vez e dá lugar a uma sala de bingo. A razão, segundo Margarida Neves, neta do antigo proprietário, é bastante simples: “O cinema deixou de render, de dar lucro e de compensar tê-lo aberto”, disse Margarida ao JPN.
Mas o bingo acabou por ter o mesmo destino que o cinema e, hoje em dia, o Olympia não é mais do que um prédio fechado e vazio. Pertence à empresa Sopete, do Casino da Póvoa, e sem futuro previsto.
Cinema Trindade
Futuro semelhante ao Olympia, teve o Cinema da Trindade. Hoje o espaço tem uma sala de bingo mas em pleno funcionamento e gerido pela empresa Cinema da Trindade, depois de também ter tido a tutela da Neves&Pascaud. O motivo para o fecho do cinema foi exatamente o mesmo que o do Olympia, segundo Margarida Neves.
O Cinema da Trindade foi inaugurado um ano depois do Olympia – a 14 de junho de 1913. Tinha capacidade para 1191 lugares e uma programação de excelência: “No Cinema da Trindade passavam filmes de maior qualidade como as grandes estreias e os filmes dos Óscares”, conta ao JPN Margarida Neves.
Cinema Águia D’Ouro
Do Cinema Águia D’Ouro resta a fachada. Situada na Praça da Batalha, a antiga sala de cinema pertence, agora, à cadeia de hotéis Endutex. A reconstrução, depois da aquisição em 2008 pelo grupo, resultou na demolição do interior do edifício, após mais de 20 anos de espera e de degradação que contrastam com outros tempos de glória. O investimento foi de 6,7 milhões e o projeto esteve a cargo dos arquitetos Nelson Almeida e Rosário Rodrigues, responsável por obras como a Torre das Antas ou o edifício Trindade Domus.
Na data da remodelação, foram salientadas as necessidades de manter a identidade do espaço, sendo este parte da memória coletiva da cidade Invicta. De acordo com Gisela Barros, da assessoria do hotel, a aposta no espaço manteve a “fachada Art Déco da década de 1930″. Foram, ainda, recuperados “suportes de partituras da orquestra, um microfone antigo e uma bobina, entre outros achados arqueológicos que poderão ser visto no hall do hotel”.
Tentativas de requalificação
Antes da criação de um hotel, foram várias as tentativas de devolução do espaço, enquanto centro de cultura, à cidade do Porto. Em 2006, após o restauro parcial do Cinema Batalha, foi muita a especulação sobre a reabertura do Águia D’Ouro. Na Internet, surgiu uma petição, dirigida ao presidente da Câmara, Rui Rio, que pedia uma solução para o cinema que corria “o risco de desaparecer, dado ao seu elevado estado de degradação”. “Salvem o Águia D’Ouro e abram o Cinema Batalha”, exigia-se. A hipótese de restauro esteve, também, em cima da mesa em 2003, quando o grupo Solverde, que se tornou o proprietário do espaço, viu chumbado o projeto para transformar o espaço num casino.
Em retrospetiva, o Águia D’Ouro abriu, em primeiro lugar, como um café, em janeiro de 1839. Camilo Castelo Branco e Antero de Quental eram clientes assíduos do espaço. O cinema surge posteriormente, já em 1908, com espetáculos e filmes mudos, já que o cinema sonoro apenas chegou cerca de 20 anos depois, em 1930, com o “All That Jazz”.
Em 1931, a fachada foi remodelada e o espaço reaberto. No pórtico foi colocado os símbolo que lhe dá o nome: uma águia de ouro. O cinema pertenceu à família Neves&Pascaud, a detentora do monopólio cinematográfico da cidade Invicta. O fecho deu-se em 1989 e foi motivado pela ausência de espetadores.
Cinema Vale Formoso
O Cinema Vale Formoso, aberto ao público em 1949, localizava-se numa área residencial do centro do Porto e funcionava mais como “cinema de bairro”. Tal como tantos outros, era explorado pela Lusomundo.
Encerrada em 1993, a sala de Vale Formoso foi adquirida pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), depois da tentativa falhada em comprar o Coliseu do Porto. Até 2010, o Cinema Vale Formoso foi usado como santuário pela IURD, mas acabou por fechar as portas quando o grupo religioso passou para a sua nova catedral, na Rua de Serpa Pinto.
O edifício mantém a plateia, com uma capacidade de 900 lugares, mas sofreu algumas mudanças, entre elas um novo palco, feito em mármore. O JPN contactou a Igreja Universal do Reino de Deus para obter mais informações sobre o antigo Cinema Vale Formoso, mas não obteve nenhuma resposta.
Cinema Passos Manuel
O Cinema Passos Manuel data de 1971. Está albergado no Coliseu do Porto e é, desde 2004, uma sala dedicada a várias artes além do cinema, sendo também um bar e uma discoteca. “Se isto fosse apenas um cinema, já teria fechado porque, tal como todas as artes, dá prejuízo”, explica António Guimarães, responsável pela exploração do espaço, ao JPN. António acrescenta que, para manter o cinema a funcionar, não ia cair na “asneira” de ter um espaço dedicado em exclusivo à exibição de filmes.
“Se isto fosse apenas um cinema, já teria fechado”
António Guimarães
“Escolhi o Passos Manuel porque era um sítio que estava fechado e onde eu vim ao cinema durante anos e anos“, conta António que, depois de saber do encerramento da sala, contactou imediatamente os responsáveis pela gestão do Passos Manuel. Depois, fez algumas remodelações para albergar o modelo de negócio atual – um investimento de “centenas de milhares de euros”.
O cinema foi a arte predileta do espaço durante trinta anos, até ao seu encerramento temporário, em 2002. António conseguiu a licença de exploração e reabriu-o em 2004. O contrato entre o empresário e o Coliseu do Porto termina em 2014 e António prefere esperar pelo futuro para decidir o que fazer. Caso permaneça à frente do cinema, poderá melhorar o auditório, pois o projeto “tem pernas para andar”.