00h20 – A segunda senha
Paulo Coelho chegou, como habitualmente, pouco tempo antes da meia-noite às instalações da Rádio Renascença. À última da hora, Manuel Tomáz informava-o da existência de uma pequena alteração no alinhamento. Às 00h20 teria de passar uma rúbrica de poesia. Próximo da hora estipulada, uma publicidade ameaçava adiar a hora da emissão, mas Tomáz arranca com a bobine e a voz gravada de Leite de Vasconcelos declama a primeira estrofe da música tão desejada.
Paulo Coelho, pela sua emissão ter sido interrompida, e o censor, por ver que os poemas estavam fora do contexto do título que lera, insurgiram-se contra Manuel Tomáz. Mas já nada o impediria. As senhas tinham sido emitidas: “Nem eu sabia que o João Paulo Diniz ia lançar esse sinalinho para Lisboa, nem ele sabia que nós íamos lançar a senha nacional”.
03h12 – Ocupação do RCP
Pelos quartéis de todo o país, as movimentações tinham-se iniciado. Militares revoltosos davam início ao derrube do fascismo. O plano, minuciosamente coordenado, envolvia a tomada de lugares estratégicos. O Rádio Clube Português era um deles. Lá seria o posto de comando da revolução. A comunicação entre as forças militares e o povo iniciar-se-ia ali. Pouco depois das três da manhã, os militares chegavam às instalações de uma das emissoras nacionais mais reconhecidas. Joaquim Furtado, locutor de serviço, vacilou perante as armas carregadas pelos soldados, mas assim que viu que o movimento era pela liberdade começou a colaboração.
O telefone de Clarisse Guerra, também locutora no RCP, tocou perto das quatro da manhã e por uma amiga, casada com um agente da PIDE, soube da ocupação. Arrumou as coisas e foi para a rádio, onde privou com os militares: “A relação com os militares foi ótima, porque, no Rádio Clube, poucas pessoas estariam de acordo com a situação vigente, de maneira que todos nós aceitámos de braços abertos – ou quase todos – o golpe que se estava a dar”.
Antes, durante e depois da revolução
– A revolução ouvida
– Dias 22 e 23 de abril – O primeiro contacto
– Dia 24 de abril – Chegava a hora
– Dia 25 de abril
– Dias 26 e 27 de abril – As reportagens emitidas
4h26 – Leitura do primeiro comunicado do MFA
Uma hora depois da ocupação, saíria da voz de Joaquim Furtado o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas. Pela primeira vez, o povo sabia o que se passava. Este é o momento em que o levantamento militar se transforma numa revolução. A contrariar os pedidos de acalmia e recolha, o povo saiu à rua e conquistou a liberdade. Sucederam-se as comunicações do movimento com a população e, ao longo do dia, cumpria-se a revolução.
8h30 – Primeiro comunicado da Emissora Nacional
Pela manhã, a Emissora Nacional, patrocinada pelo regime, era ocupada. Durante a noite, a emissão tinha sido realizada por mecanismos automáticos e nas instalações não estava ninguém. Chegada a luz do dia, a Emissora Nacional seria ocupada pelos militares, devido à sua importante audiência, mas, mais do que isso, pela simbologia de conquistar um dos esteios do regime.
14h30 – Ultimato à rendição de Marcelo Caetano
Ponto a ponto, os militares ocupavam os locais estratégicos e assumiam o poder. O movimento chegava às ruas e as pessoas festejavam com os militares. As sedes da PIDE eram cercadas, a polícia perseguida e o MFA lançava um ultimato à rendição do presidente do Conselho. Clarisse Guerra lia os comunicados com interesse e quis emprestar a sua voz a um. Aguentou firmemente a voz e leu, sem alterações, o comunicado redigido pelo comando revolucionário. Tornava-se a voz feminina da revolução.
19h50 – Oficialização da queda do Governo
Clarisse Guerra foi a primeira mulher a ler um comunicado do MFA e permaneceu no RCP, junto dos militares, o resto do tempo. As informações eram difusas. Falava-se da resposta do regime e, por momentos, houve medo. Mas tudo não passou de meras ameaças. Perto das 20h, o RCP anunciava a queda formal do Governo. Pouco tempo depois, às 20h15, proclamava-se a tomada do poder por parte dos militares e a informação era emitida para todo o território português e ultramarino.