A Comuna de Paris de 1871, apesar de efémera, revelou ao mundo o primeiro exemplo de um governo popular, composto predominantemente por operários. Numa viagem à revolução que assolou a capital gaulesa, percebemos os motivos políticos e sociais que levaram à fugaz independência de Paris.
Paris foi, há 150 anos, o epicentro de um verdadeiro terramoto político e social. Durante 72 dias – entre 18 de março a 28 de maio de 1871 – a cidade viveu uma experiência política inédita, a Comuna, após os parisienses se insurgirem contra o governo francês.
O resultado foi um modelo político, materializado numa democracia direta, fundada no socialismo e na laicidade que acabou com contornos trágicos Karl Marx apelidou a insurreição de “a gloriosa precursora de uma nova sociedade”, ao passo que o Governo francês, que tinha Adolphe Thiers como líder, a par de outras chancelarias europeias, consideraram que os communards – termo aplicado aos integrantes da Comuna – não passavam de rebeldes que deveriam ser severamente punidos.
A iminente derrota na Guerra Franco-Prussiana, encarada como a principal propulsora do conflito, foi responsável, em pouco mais de seis meses, pela captura do Imperador Napoleão III, pelo colapso do Segundo Império Francês e pelo início da Terceira República. A cidade cercada pelas tropas inimigas acabaria por render-se e o armistício com os prussianos foi assinado a 28 de Janeiro de 1871, perante um contexto de agitação generalizada.
A conjuntura de profundo descontentamento que pairava em território gaulês e a instabilidade governativa da época, assente num governo composto por monárquicos, bonapartistas e republicanos, liderado por Adolphe Thiers, eram os ingredientes para uma tragédia anunciada. Paralelamente, a não aceitação das estruturas dirigentes do Estado por parte das organizações operárias agudizaram ainda mais o clima de revolta existente, numa Paris onde grassavam a fome e a miséria.
O tiro de partida para a rutura entre os cidadãos e as instituições que os governavam foi, decididamente, ateado a 16 de Março, quando Thiers numa ação bastante controversa decide desarmar a cidade para purgá-la de “todos os vermelhos”.
About now Louise Michel is leading a column of women from the Montmartre Vigilance Committee up the hill to confront the soldiers… for the full story go to https://t.co/to5asHHsmU pic.twitter.com/OK2UNQ7Roj
— The Paris Commune Daily (@pariscommune21) March 18, 2021
O dirigente francês foi diversas vezes avisado sobre a imprudência do plano, dado que os soldados regulares eram poucos, estavam desmotivados por sucessivas derrotas na guerra contra a Prússia e pela frente teriam os “federados” da Guarda Nacional – maioritariamente formada por operários, a que se juntaram milícias populares de cidadãos e soldados que se amotinaram – em número, substancialmente, superior e plenos de confiança e moral, por terem defendido Paris durante 4 meses do cerco prussiano.
Investida marcada pelo insucesso
Com vista à concretização do plano de Thiers, o exército confiscou 227 canhões à Guarda Nacional e os parisienses ofereceram resistência, respondendo ao fogo com fogo. O caos instalou-se e o conflito subiu de tom.
Perante este cenário, foram erguidas barricadas por toda a cidade e os insurgentes, apoiados pela Guarda Nacional, expulsaram as forças regulares da capital francesa.
Thiers, ao perceber o fracasso da sua manobra e ao ver a milícia encaminhar-se para o palácio presidencial, foge juntamente com o corpo do exército, temendo pela sua vida, e refugia-se em Versalhes. Aí, enceta esforços para preparar uma guerra civil em concertação com o chanceler alemão Otto von Bismarck. No dia seguinte, a bandeira vermelha flutua no Hôtel-de-Ville, em Paris.
Está consumada a insurreição. O proletariado, junto com destacamentos da Guarda Nacional, ávidos por manterem a salvo a sua cidade, tomam de assalto o poder. Partem, como diria Marx, ao “assalto dos céus”. Naquele dia, e nos dias seguintes, dezenas de milhares de parisienses inundaram as ruas da cidade com gritos de alegria e entoando canções revolucionárias. Vitoriaram a proclamação da Comuna, otimistas no futuro que se avizinharia.
A 26 de Março, após a realização de eleições democráticas, é instituída a Comuna de Paris, eleita por sufrágio universal. Composta por 92 membros, um para cada 20 mil residentes, foi organizada na base de comités de bairro que elegeram um Comité Central, onde figuravam representantes da Federação dos Bairros, blanquistas, proudhonistas e membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada, em 1864, por impulso de Karl Marx.
Nova e efémera era
O primeiro édito da Comuna era bastante esclarecedor, refletindo o seu caráter socialista e demasiado radical para a época. Este modelo arrebatou ódios e paixões por todo o mundo e foi responsável por introduzir medidas como: a abolição da pena de morte; a separação do Estado e da Igreja, a declaração de reunião, associação e a liberdade de imprensa.
A educação tornou-se gratuita, secular e obrigatória e as escolas passaram a funcionar em regime misto. A jornada de trabalho foi reduzida; as multas patronais e o trabalho noturno foram abolidos; a Guarda Nacional substitui a Polícia e tinha o poder de eleger os seus próprios oficiais e sargentos.
Assistiu-se à criação da Segurança Social, as fábricas e oficinas que estavam encerradas ou abandonadas foram entregues a cooperativas de operários. Declarou-se a prorrogação do pagamento das dívidas e a suspensão dos juros e estabeleceu-se um salário mínimo para os trabalhadores.
“Semaine sanglante”
Face a todo este conjunto de mutações sociais, o governo da República nunca se conformou nem se mostrou disposto a aceitar esta “independência” e, desde cedo, preparou a reconquista de Paris.
A breve experiência da Comuna de Paris acabaria por ser reprimida pelo exército francês nos dias da Semana Sangrenta – “Semaine sanglante”, como ficou conhecida em França. Bismarck, receoso de uma presumível vitória da Comuna, libertou, por ordem de Thiers, cerca de 60 mil soldados franceses presos pela Prússia e aumentou as suas próprias tropas para 130 mil soldados contra os pouco mais de 50 mil communards, entre eles mulheres e crianças.
Depois de entrarem em Paris, a 21 de maio, as tropas de Versalhes avançaram bairro por bairro, com uma onda de destruição que provocou inúmeras mortes de parisienses. Começava, assim, a ofensiva final. Com uma derrota cada vez mais evidente, os communards nunca se renderam e, apesar de a cidade ter sido tomada de assalto, foi defendida até ao fim.
Com a queda da última barricada, a Comuna chegou ao fim no dia 28 de maio de 1871. “O cadáver está na terra, mas ideia está de pé”, escreveria Victor Hugo. Os historiadores calculam que 20 mil communards terão sido imediatamente executados, ao passo que 40 mil foram presos, torturados e executados. O Conselho de Guerra de Versalhes terá julgado e condenado 13.450 cidadãos. Contam-se nos autos 80 crianças, 1.320 mulheres e 12.050 homens. O número de mortos às mãos do governo de Thiers é calculado em 80 mil.
Apesar de efémera, a Comuna, alicerçada na resiliência dos operários parisienses e na liderança inquebrável de Louise Michel, serviu de influência para outras nações e os ventos emancipatórios que sopraram de Paris serão sempre relembrados como o primeiro exemplo de um governo popular e como um modelo inédito no que diz respeito às ideologias socialistas e anarquistas.
Artigo editador por João Malheiro