No passado domingo (8), centenas de apoiantes de Jair Bolsonaro, derrotado nas recentes eleições de 2022, invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto (da presidência) e o Supremo Tribunal Federal (STF) deixando um rasto de destruição. Passando as barreiras de segurança, os manifestantes contestavam o resultado que fez de Lula da Silva presidente, uma semana depois da tomada de posse.

Ainda não foi apurado o que possibilitou esta invasão na capital brasileira, Brasília. No entanto, graças à partilha de imagens em direto nas redes sociais, as forças policiais puderam identificar invasores. Desde a ocorrência, a Polícia Militar conseguiu controlar a situação, tendo feito mais de 1 500 detenções. Houve cerca de 13 mil denúncias.

Paulo Roberto Netto, que trabalha no STF como jornalista para o UOL Brasil, retrata um cenário “surreal” e compara o espaço a “uma verdadeira zona de guerra”. “Ninguém esperava uma coisa dessas”, confessa, através de uma chamada com o JPN, via Whatsapp. E acrescenta: “Havia ameaças o tempo todo mas ver que se concretizaram em algo real e ver a situação que foi deixada é muito triste”.

“Na minha mesa de trabalho, mesmo [situada no próprio STF]: o computador que eu usava tem o monitor destruído. As televisões foram arrancadas, as mesas dos outros colegas foram totalmente reviradas”, adianta.

O cenário de devastação estende-se ao longo dos três andares do edifício do Tribunal. “As cadeiras dos ministros foram retiradas, as poltronas de quem acompanhava as sessões também estavam reviradas, e as mesas, os cabos, as televisões. Até o brasão da República foi retirado”, diz o jornalista. Imagens enviadas pelo STF para o JPN mostram os estragos por todo o edifício.

Graças ao sistema de segurança e à presença de vidros blindados, os invasores não conseguiram aceder ao gabinete presidencial. No entanto, os edifícios foram vandalizados e vários objetos, incluindo obras de arte e outros presentes de valor histórico recebidos pelos Presidentes do Brasil ao longo do tempo, foram roubados ou destruídos.

Paulo Roberto Netto conta que há “cacos de vidro” por todo o lado: “Eles quebravam as vidraças e com isso conseguiam entrar e foram subindo os andares”. Recorda ainda que, no Tribunal, existiam uma série de objetos históricos, sendo que o problema “não é só o custo material e financeiro de os restaurar – mas o valor simbólico daquilo ser destruído”.

Apesar dos atos dos manifestantes se guiarem pela recusa da derrota, o partido de Jair Bolsonaro diz não apoiar os movimentos. Num vídeo partilhado no Instagram, Valdemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL), afirma que as invasões em Brasília são uma “vergonha para todos” e que “não representam o partido”.

 

 
 
 
 
 
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Uma quebra de segurança sem precedentes – o que falhou?

Paulo Roberto Netto descreve, da própria experiência enquanto trabalhador do STF, a existência de várias medidas preventivas, desde forças de segurança a detetores de metais. “Sempre houve muita barreira, muita segurança. Por isso é que é tão chocante essa invasão e por isso é que houve tanta responsabilidade rápida caindo sobre os responsáveis pelas forças de segurança”, diz.

Ressalva ainda que os atacantes atingiram o edifício numa altura em que “o judiciário do Brasil está em recesso”. “É um periodo onde não há sessões, os servidores têm uma atividade mais reduzida, então quase não há ninguém no Tribunal. O que foi bom, até, no sentido de que quando atacaram não havia ninguém no interior”.

O jornalista comenta que “o que se percebe é que as forças de segurança não foram suficientes”. No entanto, recorda momentos em que a tensão política e social se sentiu, nomeadamente durante as celebrações da independência do Brasil, em setembro, quando também decorreram manifestações em ato a favor de Jair Bolsonaro. Não houve, porém, ocorrências desta magnitude. Saber “o que falhou ali” é “uma das grandes perguntas ainda sem resposta”.

Desde o incidente, o Governador do Distrito Federal foi afastado do cargo. Em comunicado, o ministro e juiz do STF, Alexandre de Moraes, anunciou que Ibaneis Rocha foi suspenso durante 90 dias.

Segundo Moraes, “a escalada violenta dos atos criminosos” que resultou na invasão dos edifícios da Praça dos Três Poderes “somente poderia ocorrer com a anuência, e até participação efetiva, das autoridades competentes pela segurança pública e inteligência, uma vez que a organização das supostas manifestações era fato notório e sabido, que foi divulgado pela mídia brasileira”.

Respondendo à situação em comunicado oficial, Ibaneis disse respeitar a decisão de Moraes. “Mas reitero minha fé na Justiça e nas instituições democráticas” escreve, acrescentando que vai “aguardar com serenidade a decisão sobre as responsabilidades” relativas aos acontecimentos na capital brasileira.

O magistrado determinou ainda o afastamento provisório de Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Com Ibaneis Rocha, está incluído num inquérito que investiga “atos antidemocráticos”, como se pode ler na decisão de Moraes.

Também foi detido o ex-comandante da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), o coronel Fábio Augusto Vieira, que já havia sido exonerado na segunda-feira (9), na sequência da invasão.

O que se espera nos próximos tempos

Paulo Roberto Netto avança ao JPN que, por agora, o edifício continua fechado, enquanto a polícia federal trata de “recolher materiais e identificar responsáveis pelo que aconteceu”. “Vão fazer todo o trabalho de contabilizar os danos, e então começar de facto a tentar reestruturar e reconstruir o que foi destruído”, diz.

Por agora, “o plano é restaurar tudo mas não completamente”, diz o jornalista, completando que “o Tribunal já reconhece que o restauro completo vai demorar algum tempo”. No entanto, Rosa Weber, presidente do STF, afirmou, durante uma reunião com Lula da Silva, que pretende ter o edifício-sede funcional até à sessão de abertura do ano judiciário, em fevereiro.

Para Paulo Roberto Netto, o STF quer manter a cabeça erguida e, de certa forma “marcar posição”. E completa: “Apesar dos ataques nós vamos abrir o ano judiciário como sempre foi feito”. Na mesma linha, a presidente do STF já tinha dito, numa nota divulgada no próprio dia da invasão, que não se deixariam “intimidar por atos criminosos e de delinquentes infensos ao Estado Democrático de Direito”.

Por agora “é preciso dar tempo” e responsabilizar os envolvidos, diz o jornalista.