As apostas desportivas são uma tendência que tem vindo a aumentar em Portugal. Contudo, a atividade levanta a possibilidade de se criar um vício que pode levar a comportamentos agressivos. Nesse sentido, recentemente, o tenista João Sousa revelou ser vítima de ameaças e insultos de apostadores nas redes sociais. Numa publicação provisória, divulgada a 29 de março via Instagram, o atleta afirmou ainda de que esta é uma situação com que todos os profissionais de ténis “têm de lidar”.
Através da sua conta, divulgou imagens que mostram os comentários agressivos que recebe – que incluem até desejos de morte. O atleta admitiu estar “exausto de receber mensagens de apostadores com ameaças, insultos, provocações e pouca noção daquilo que é preciso fazer e sacrificar para ser tenista profissional”.
De acordo com Mário Veloso, da PIN Porto (Partners in Neuroscience), para falar de apostas é preciso ter em consideração “os motivos que levam as pessoas a jogar”, nomeadamente “o dinheiro que se pode ganhar”, “o desafio que acarretam” e o facto de ser uma “forma de entretenimento e de obter alguma gratificação”.
Aliás, o psicólogo afirma que existe uma “ligação” entre a adição a apostas e comportamentos agressivos. Segundo o profissional de saúde os comportamentos violentos surgem “em virtude da perceção de fracasso, do investimento que não compensou” e essa violência encontra, sobretudo “nas redes sociais, um meio muito profícuo para se manifestar”.
Das apostas ao cyberbullying
“Por detrás de um ecrã é muito mais fácil poder dizer aquilo que queremos sem ter noção do impacto que isso pode causar no outro”, explica. Mário Veloso revela que não ter contacto direto com a outra pessoa “facilita a continuidade da agressão”, já que, digitalmente, a “possibilidade de sentirmos empatia fica um pouco mais reduzida”. O comportamento agressivo é “uma das manifestações do cyberbullying” e “o João Sousa foi [só] uma das mais recentes vítimas”, conclui.
Os meios digitais e o online são propícios não só para propagar comportamentos agressivos, como vícios. O conteúdo das apostas “estava tipicamente mais associado aos casinos”, que implicavam a deslocação ao espaço físico. No entanto, com o “advento das aplicações precisamos só de uma ligação à Internet – podemos fazê-lo no conforto da nossa casa”, explica Mário Veloso.
A acessibilidade a aplicações, bem como a constante exposição a publicidade, incentivam os comportamentos aditivos. “Mesmo com o slogans como «seja responsável, consuma com moderação»”, continua a haver uma grande variedade de “meios que nos permitem apostar com muita facilidade”, explica o especialista.
O psicólogo revela que, no caso de jogadores patológicos, fala-se do “controlo de impulsividade e até de compulsividade”. A impulsividade diz respeito à busca por “gratificação, prazer e agitação” e relaciona-se com a compulsividade devido à “compulsão para jogarmos como meio de regular um afeto negativo”, como ansiedade, tristeza e irritação.
Mais ainda, o comportamento aditivo patológico associa-se com certas superstições. O sucesso é conectado a competências pessoais e essa perceção “acaba por ser reforçadora de novas apostas”, enquanto o insucesso “é atribuído a fatores externos”, avança Mário Veloso.
Aumento das apostas em Portugal
De acordo com relatório do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ), no 4.º trimestre de 2022 houve um aumento da receita bruta com apostas desportivas à cota. Os dados revelam que a receita bruta das entidades exploradoras foram de 85,5 milhões de euros, um aumento de 15,9 milhões em relação ao trimestre anterior e de 19,7 milhões face ao mesmo período do ano passado.
Também o volume de apostas aumentou mais 110,2 milhões face ao trimestre passado. A nível de modalidades, 74,2% das apostas desportivas eram relativas a futebol, seguindo-se do basquetebol (12,5%) e do ténis (7,6%). No futebol, a competição com maior número de apostas foram os jogos do Mundial 2022 (25%), do qual se segue a UEFA (7,4%), a Primeira Liga (6,9%) e a Premier League (6,4%). No total de apostadores, 34,7% fazem apostas exclusivamente desportivas à cota e 39,6% das apostas são nas duas categorias de jogo.
Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira