Confiante na formação de uma maioria de esquerda no Parlamento, o cabeça de lista do Livre pelo Porto defende que é preciso que essa maioria seja "plural e multipartidária" e não de natureza "bilateral", como aconteceu com a geringonça.

Se for eleito deputado no domingo, dia 30, pelo círculo do Porto, o amarantino Jorge Pinto tem as “malas” prontas para regressar a Portugal. Fixado em Bruxelas desde que terminou o curso, em Engenharia Ambiental, o cabeça de lista do Livre pelo Porto quer poder defender as ideias do partido no Parlamento.

Em entrevista ao JPN, Jorge Pinto comentou o caso que envolveu o partido e a deputada Joacine Katar Moreira e sublinhou que o Livre quer fazer parte de uma maioria de esquerda no Parlamento. Não uma maioria de natureza “bilateral”, como a geringonça, mas “plural e multipartidária”.

Não avançar com a regionalização foi “um dos maiores falhanços da anterior maioria parlamentar”, na opinião de Jorge Pinto, que explicou ainda ideias do programa do Livre como o  Rendimento Básico Incondicional ou a transformação do 12.º ano num “ano zero”.

Em várias dimensões, uma ideia: transformar a economia nacional numa “economia de valor acrescentado”.

JPN – É natural de Amarante, mas reside em Bruxelas. O que é que o levou a aceitar o desafio de encabeçar uma lista do Livre pelo círculo do Porto?

Jorge Pinto (JP) – Não aceitei o desafio, eu lancei-me ao desafio. O Livre é, e continua a ser, o único partido em Portugal que faz eleições primárias para escolher os candidatos [a eleições] e apresentei-me como candidato. Fazemos primárias abertas em que qualquer cidadão, mesmo sem vínculo ao partido, que se identifique e assine um compromisso de honra, pode apresentar-se como candidato e votar. Então, deram-me a confiança e candidatei-me pelo meu distrito.

JPN – Então a pergunta será porque é que se propôs a ser candidato?

JP – Há uma visão do Livre, uma visão ecologista e europeísta, que falta em Portugal. Precisamos de uma visão ecologista a sério e não para um futuro curto, com medidas simplistas e paliativas que não vão solucionar nada. Uma visão que vá à raiz do problema e que reveja o sistema produtivo e que traga novas soluções. Soluções claramente de esquerda – porque o Livre, contrariamente a outras forças políticas, não tem problema em afirmar-se como um partido de esquerda. A transição ecológica não pode deixar ninguém para trás. Para nós, justiça ambiental é sempre justiça social.

JPN – Em 2019, o Livre aumentou a votação no Porto, mas não conseguiu eleger pelo círculo. O que seria para si um bom resultado eleitoral no dia 30?

JP – Um bom resultado é eleger, claramente. As sondagens, como a da Católica, que tem mais amostra, mostram que há essa possibilidade. O deputado em Lisboa está mais ou menos assegurado e o deputado no Porto está em jogo. Mas isso só os votos o dirão. 

A questão no Porto é sempre a do chamado “voto útil”, é isso que é problemático para um partido como o Livre. Mas não são bons debates ou boas sondagens que elegem, são os votos. E esperamos que a campanha que temos estado a fazer sirva para dar essa confiança aos eleitores aqui do distrito. 

JPN – Campanha que foi um pouco abreviada pela Covid-19 [o candidato esteve infetado]. Que impacto teve isto sobre a campanha? 

JP – Acho que não teve grande impacto. Desde logo, a campanha não se faz só com um cabeça de lista. Estive uma semana fechado em casa infetado com Covid-19, mas a campanha fez-se a nível nacional e por todos os meus camaradas aqui no Porto que estiveram, todos os dias, em várias regiões e através das sessões em linha que fui fazendo nas redes sociais. 

JPN – Sendo eleito, isso implica deixar Bruxelas?

JP – Claro, logo de imediato.

JPN – Está preparado para isso?

JP – Sem dúvida. Quando me candidatei às primárias, já foi com a esperança de ser escolhido para liderar a lista, o que aconteceu, e depois ser eleito à Assembleia da República para lá levar as ideias “utópicas e poéticas”, como nos disseram em jeito de insulto, mas que usamos com orgulho.

Jorge Pinto tem 34 anos e é formado em Engenharia do Ambiente. Foto: Ana Torres/JPN

JPN – Em 2019, conseguiram, pela primeira vez, um mandato na AR. Houve depois uma rutura, que foi pública e notória, com a deputada Joacine Katar Moreira. Teme que esse processo venha a ter uma influência negativa sobre o desempenho do Livre nesta eleição?

JP – Não acho. Em primeiro lugar, toda a nossa solidariedade – e a minha pessoal, certamente – para com a Joacine. Todos os ataques de que foi alvo… julgo que mais ninguém em Portugal, no mundo político, algum dia o foi [desta forma]. 

Quanto ao impacto eleitoral, acho que, a ter algum, será um impacto positivo. O PAN perdeu um eurodeputado e uma deputada nacional nesta legislatura. Insistem que ela deveria ter abandonado e deixado o lugar ao segundo da lista, algo que o Livre não fez porque respeita a lei e sabe que o cargo de deputado ao deputado ou deputada pertence. Vários partidos tiveram estes problemas. O Livre não varre problemas para debaixo do tapete e fala deles abertamente. Se calhar com demasiada abertura, tendo em conta o mediatismo que teve o problema, mas fala deles e resolve-os.

O Livre chegou a uma situação em que ou cedia aos desejos da deputada eleita, ou se mantinha fiel aos seus princípios de participação, abertura e diálogo. Perante esta situação e meses de diálogo, preferiu abdicar da única representação parlamentar que tinha. Por isso, acho que as consequências serão benéficas, porque falamos disto abertamente e preferimos manter-nos fiéis aos nossos princípios.

JPN – Apesar dessa rutura, é possível dizer que há uma marca do Livre nesta legislatura, que foi agora interrompida?

JP – Houve uma marca curta, porque a nossa representação durou poucos meses. A marca do Livre foi a do programa eleitoral, confirmada pela eleição de uma deputada. Tínhamos um orçamento de 10 mil euros para fazer campanha e com este dinheiro conseguimos mais de 50 mil votos e representação parlamentar num cenário em que a esquerda teve a sua maioria mais ampla desde o 25 de Abril. 

Um dos maiores falhanços da anterior maioria parlamentar foi não ter avançado seriamente com a regionalização.

JPN – A ser eleito, será pelo Porto, embora seja deputado da nação. Que importância teria haver um deputado do Livre eleito pelo círculo do Porto no Parlamento?

JP – É importante, desde logo, pelas políticas de coesão territorial que o Livre tem, começando pela regionalização. Um dos maiores falhanços da anterior maioria parlamentar foi não ter avançado seriamente com esse processo, que Portugal precisa. É um imperativo constitucional que continua por cumprir, mais de 20 anos depois do referendo. Pessoalmente, seria das primeiras coisas que levaria a debate na Assembleia.

JPN – Há outras medidas do programa que teriam especial impacto na região?

JP – Há muitas. Defendemos que, para lá do slogan ambientalista “pensar global, agir local”, também é preciso o contrário. Quando falamos de combate às alterações climáticas, de mais formação, mais cultura e mais educação, isto não são coisas utópicas ou só de Lisboa.

O distrito do Porto é muito desigual entre si. Comparar o Porto concelho com Amarante ou Baião é comparar realidades completamente diferentes. As propostas que temos para a região prendem-se também com a capacidade de trazer a ciência também para o interior do distrito. Por exemplo, na área do Tâmega e Sousa, a cada cem estudantes que saem para a universidade, apenas dez regressam, porque não existem as mesmas oportunidades. 

Isto [a criação de oportunidades] acontece ao descentralizar a universidade e os centros de investigação, por exemplo. A UP pode abrir-se ao distrito, mais do que já está, o que também retiraria pressão à cidade do Porto em habitação ou transportes. 

Defendemos também a linha ferroviária do Sousa, que ligaria a Felgueiras, a circular ferroviária de Leixões aberta ao público e também a linha de alta velocidade. Tudo isto tem de ser entendido como um conjunto de políticas interligadas – de transporte, habitação, ecologia, formação, ciência e de oportunidades.

JPN – O Livre assume-se como um partido ecologista e de esquerda. O que distingue o partido face aos outros partidos da esquerda com representação parlamentar?

JP – Desde logo, a nossa génese. O facto de sermos de uma esquerda mais libertária, não-marxista ou pós-marxista, e ecologista, mostra que somos um partido diferente. Esta distinção é mais clara noutros países. Em Portugal, temos a nossa história. Se formos ver, a maioria dos partidos que estão no Parlamento foi formada no período revolucionário. Mesmo o Bloco, que é mais recente, foi formado pela fusão de partidos e movimentos nascidos com o 25 de Abril. O Livre é um partido criado de raiz, do zero, sem traumas, da cidadania, num momento muito específico em Portugal – no dia 30, dia das eleições, faz oito anos que realizámos o nosso congresso fundador, aqui no Porto. Esse congresso teve como slogan “fazer pontes”. Ainda somos do tempo em que estas pontes à esquerda eram inexistentes. O Livre era o único a ter coragem de as defender abertamente e, hoje, parecem voltar a ser necessárias. 

JPN – Falemos dessas pontes. O líder do Livre trouxe para cima da mesa o que designou por “eco-geringonça” como possível solução governativa pós-30 de janeiro. Fazer parte da solução de Governo não é limitar o potencial crescimento do partido quando os resultados eleitorais são ainda baixos? 

JP – É um risco, mas sempre assumimos não ter medo desse risco. Seja no que diz respeito a acordos com outros partidos, seja na participação governativa. Portugal é cada vez mais a exceção e não a regra. Mesmo em Espanha, onde esse tabu existia, temos agora um Governo de coligação onde está o Unidas Podemos, uma força bem à esquerda do PSOE, que continua estável. No nosso caso, por exemplo, a geringonça aguentou toda a legislatura contra todos os prognósticos, caiu agora, enfim, ninguém sabe muito bem porquê.

JPN – Olhando para as sondagens, a CDU e Bloco não parecem ter beneficiado em termos eleitorais do apoio que deram ao PS.

JP – Não sei se é por isso ou se porque os eleitores que deram, repito, a maior maioria de esquerda desde o 25 de Abril, não entendem porque é que essa maioria caiu ao fim de dois anos. Ou não entendem porque é que, em 2019, como o Livre defendia quando tinha representação parlamentar, não houve um acordo com a participação de todos – porque a geringonça foi uma sucessão de acordos bilaterais, e defendemos que deviam ser plurais e multipartidários.

A discussão que se está a fazer interessa muito pouco aos portugueses e, por isso, o Livre propõe, sem ter como grande objetivo estar no Governo, haver uma maioria social, progressista no Parlamento. Conseguindo essa maioria, que essas forças se entendam num acordo único que tenha a duração de uma legislatura, para garantir estabilidade. 

JPN – Ainda esta manhã [25 de janeiro] António Costa voltou a deixar claro que está disponível para dialogar com todos os partidos que tenham assento parlamentar, com exceção do Chega. Já a forma que poderá assumir um entendimento à esquerda, continua incerta. O primeiro-ministro diz que não o podem responsabilizar por abrir portas que outros decidiram fechar. E enquanto isso, as sondagens parecem apresentar melhorias para a direita. A esquerda parlamentar não se terá armadilhado a si própria? 

JP – Quero acreditar que não. As sondagens valem o que valem. Custa-me muito que nas sondagens, no debate e até agora na pergunta se junte um partido de extrema-direita à restante direita. Uma coisa que noutros países não se faz e em Portugal também não se deveria fazer. Pôr esse partido ao mesmo nível democrático que os restantes partidos da direita é um erro. Os partidos devem ser mais claros, porque à direita não o são, em relação a como veem esta força de extrema-direita.

Sei que é um lugar comum, mas o que conta é a eleição. Parece realmente que há uma perda de força da esquerda, o que seria expectável, mas estou convicto que a esquerda poderá estar em maioria na Assembleia da República e que pode construir novas soluções de futuro.

JPN – Ao nível da proposta de Salário Mínimo Nacional, o Livre tem, talvez, a proposta mais ambiciosa. Chegar aos mil euros de SMN numa legislatura não é demasiado ambicioso? Como podemos lá chegar? 

JP – De uma maneira simples: apostando numa economia de alto valor acrescentado. Temos em Portugal uma espécie de círculo vicioso entre trabalho mal pago, pouca formação e uma economia de baixo valor acrescentado.

A única maneira de Portugal poder dar o salto e assumir-se enquanto país de futuro, é que este círculo vicioso possa ser substituído por um círculo virtuoso de formação, aposta na ciência, educação, cultura e aumento dos salários Assim se consegue essa economia de valor acrescentado. Portugal tem todas as potencialidades para se distinguir no seio da União Europeia com uma economia assim. 

Temos esta proposta, que assumimos como ambiciosa, mas não tão ambiciosa como se faz crer. Na legislatura da geringonça, Portugal tinha um salário mínimo nacional equivalente a 80% do salário mínimo espanhol. Atualmente é 70%. Com uma maioria de esquerda, perdemos em termos comparativos com uma economia com a qual nos podemos comparar. Quem olha de fora e quer investir na Península Ibérica e se divide entre Portugal ou Espanha, se quer apostar numa economia da tecnologia, da descarbonização, vai talvez preferir Espanha, porque percebe que é aí que está a haver investimento nestas matérias.

Mil euros no final da legislatura não é assim tão ambicioso. Se assumirmos a 12 meses, para comparar com outros países europeus, bastaria um aumento anual equivalente ao deste ano a cada um dos quatro anos. 

JPN – Mas é preciso crescimento económico que o suporte.

JP – Não forçosamente crescimento económico, mas desenvolvimento económico. É por isso que insistimos nesta ideia de economia de alto valor acrescentado. Aumentando a mediana dos salários, que é baixa, fazendo com que a produtividade aconteça e se traduza na melhoria das condições de trabalho ao nível do salário, todos ficamos a ganhar. O dinheiro acarretado pelos impostos também aumenta. 

O Livre sabe que não é algo que, entrando na Assembleia da República, dia 30, no dia 31 vai ser uma realidade. Mas achamos que é uma possibilidade e temos propostas muito concretas, também para os trabalhadores intermitentes e a falsos recibos verdes, para acabar com essa precariedade. 

Não basta dizer que não somos racistas, precisamos de políticas concretas de combate ao racismo ou à ciganofobia. 

JPN – O programa eleitoral do Livre dá ênfase quer ao combate à discriminação quer à promoção de igualdade no plano do género, da orientação sexual, da classe e da origem etnico-racial. São medidas que se inscrevem dentro do que se tem chamado de políticas de identidade? Elas fazem falta ao país?

JP – Fazem. As nossas políticas são igualitárias em todas as suas interseções, algumas já referiu. Portugal continua a ter um problema muito grave e profundo e crónico de racismo, de ciganofobia, de machismo. Não tenho problema com o termo “identitárias”, mas às vezes ele é usado para limitar a discussão. 

Mas aquilo em que acreditamos é em políticas universais e republicanas que reconheçam a diferença e que há a necessidade, em determinados grupos ou minorias, do combate ativo. Por exemplo, não basta dizer que não somos racistas, precisamos de políticas concretas de combate ao racismo ou à ciganofobia. 

Estas políticas são importantes, talvez mais importantes agora que antes, e esperamos poder dar o contributo para a definição de políticas, até de discriminação positiva se for o caso.

JPN – A crítica que é feita às políticas identitárias têm que ver com o potencial de fragmentação social. 

JP – Essa fragmentação é uma realidade atual. Essa “guetização” de minorias é uma realidade atual. Quando falo nisto, não é só na habitação ou no espaço da cidade onde as minorias habitam. Falamos de uma “guetização” no acesso ao espaço público, à voz ativa, aos partidos políticos, à comunicação social. Essa divisão é a atual. Achar que seriam essas políticas a trazer divisão é esconder o facto de que ela já existe.

JPN – Como é que se pode combater?

JP – O Livre tem vários exemplos. No que diz respeito à participação de mulheres na política, temos nos nossos estatutos listas paritárias, por exemplo. Acreditamos nestas políticas de igualdade, mas isto vem, certamente, de cedo, da escola e da educação. No capítulo da igualdade, apresentamos no programa muitas políticas ao nível escolar.

É preciso que todas estas questões igualitárias, que são muitas…

JPN – E algumas talvez mais difíceis que outras de concretizar. Falam no combate à discriminação no acesso à habitação. Como se consegue contrariar algo como isto?

JP – Claro, sabemos que é um problema. Alguém que denuncie à polícia que não teve acesso a uma casa porque é cigano, uma realidade frequente, vai ser difícil conseguir provar isto em tribunal. É preciso, também, educar as forças de segurança para que reconheçam estas formas de dicriminação e fazer com que haja medidas concretas para se criminalizar este tipo de comportamentos. Não queremos criminalizar o pensamento, logicamente, mas as ações. O que é problemático é achar que isto não existe atualmente, achar que uma pessoa negra, uma mãe solteira tem o mesmo acesso a um apartamento, usando o meu exemplo, que um homem, branco, heterossexual de classe média. 

A educação é um ponto central.

JPN – Referem também no programa que querem “descolonizar a Cultura” e “descolonizar a História”. De que forma?

JP – Desde logo nos currículos escolares, mas de muitas outras formas. Utilizando, até, toda a nossa estrutura arquitetónica para falar de História. Explicar qual foi o papel de Portugal durante a sua expansão [marítima] no que diz respeito à escravatura. Metade das pessoas escravizadas que foram transportadas do continente africano para o continente americano foram em barcos portugueses. Portugal teve um papel de revolução, no mau sentido da palavra, no tráfico de pessoas escravizadas. 

É importante reconhecer isso, que faz parte da nossa história e tentar corrigir esse nosso impacto. A partir das escolas, explicando corretamente o que foi a expansão portuguesa e dizer que houve coisas boas, mas que houve muitas coisas más. Ou que os museus expliquem aquilo que foi o papel portuuês e como isso se reflete nos dias de hoje em Portugal e no modo como nos relacionamos com o próximo, sejam portugueses negros ou de outros países de língua oficial portuguesa, para os quais olhamos com um paternalismo histórico que não tem sentido e que deve ser corrigido.

É preciso reconhecer isso para dar um passo em frente. Continuamos com esta visão mítica da nossa história que não corresponde à realidade. 

JPN – A par do PAN, o Livre é o único partido que coloca também no programa o Rendimento Básico Incondicional. Em que moldes seria implementado? 

JP – É uma proposta – e é curioso que se fale muito dela agora, algo que gosto, até porque fiz um doutoramento na área – que temos nos nossos programas desde a nossa fundação.

Defendemos um projeto-piloto, que custaria 20 milhões de euros, não mais que isso, para abrir um debate que está a ser tido no resto da Europa e em todo o mundo – a Irlanda vai avançar um projeto-piloto, a Finlândia fez um, em França há cidades com projetos, no Brasil, em Nova Iorque, no Canadá. Porque é que Portugal tem de ficar de fora deste debate?

A posição do Livre é muito clara. Acreditamos no estado social e não queremos recuar um milímetro na defesa do que é o estado social como está atualmente. O que queremos é que a esquerda lidere o debate daquilo que será o estado social daqui a 10 ou 20 anos. 

Um RBI pode ter um papel muito importante na coesão territorial ou, até, na fixação de população no interior do país. Também pode servir para assegurar a transição ecológica. Um RBI feminista, porque muitas mulheres estão presas em situações de violência doméstica e ao mercado de trabalho que não podem deixar, porque não terão meios de subsistência. Um RBI poderia trazer resposta a tudo isto. 

JPN – Tem de ser necessariamente universal?

JP – Universal tem de ser. Isso significa que todas as pessoas, cidadãos residentes de longa duração num determinado país, neste caso Portugal, recebem [o RBI]. Aqui o que acontece é que, à semelhança do Serviço Nacional de Saúde [SNS] ou da escola pública, a pessoa mais pobre ou a mais rica do país tem acesso nos mesmos moldes. Mas enquanto a pessoa mais pobre é beneficiária em termos líquidos, a pessoa mais rica é contribuinte, porque, com os seus impostos, paga aquilo que beneficia. Com o RBI aconteceria o mesmo. 

Há imensas fontes de rendimento que podem contribuir para financiar o RBI. Desde logo, ir buscar todo o dinheiro que foge do país; e em Portugal, entre evasão e elisão fiscal, estamos a falar de cerca de 10 mil milhões de euros anualmente. E ir buscando, também, às grandes transações económicas, às grandes heranças que continuam a não ser taxadas em Portugal. 

Como toda a produção de riqueza é vista como social, que é, o RBI seria, no fundo, um dividendo social para melhorar a redistribuição, ou pré-distribuição, desta riqueza. 

JPN – Passamos ao Ensino Superior. Sugerem no programa a transformação do 12.º ano num “ano zero” de entrada nas universidades e politécnicos. Pode explicar melhor esta proposta? 

JP – Temos um problema crítico e crónico em Portugal: pouca formação. Trazendo números, que me parecem relevantes, apenas 55% da população ativa em Portugal tem, pelo menos, o 12.º ano completo. Olhamos para outros países na Europa e esta percentagem ultrapassa os 90%. 

Se realmente queremos uma economia de alto valor acrescentado – voltamos a esta ideia -, que vem aumentar salários e permitir que o Estado social realmente funcione, esta formação tem de ser aumentada e é preciso dar às pessoas as ferramentas para participar nessa economia de futuro.

O “ano zero” viria fazer isso de duas maneiras. Desde logo, sim, substituir o 12.º ano. Para aqueles que quisessem entrar a seguir no ensino universitário e politécnico, iria ser uma transição muito mais fácil e completa que beneficiaria todos. Desde logo as universidades, porque iam perder menos tempo a formar, naquele período de adaptação, os novos estudantes. Depois, iria fazer com que os estudantes tivessem já um contacto com o meio universitário, até mais emancipador e de maior confiança. 

Iria ter, também, uma consequência para aqueles que não quisessem continuar a sua formação, pelo menos naquele momento, pudessem deixar a escola com uma formação e capacitação técnica, intelectual e tecnológica muito maior do que aquela que é atualmente a do 12.º ano. 

JPN – Mas como se sobrepõe, aqui, o ensino universitário ao secundário?

JP – Isto é uma ideia, não um livro de receitas. Esta é uma discussão que continuaria no Ministério da Educação ou passaria para o Ministério da Ciência e do Ensino Superior. Isto não implica forçosamente uma revisão do modelo de acesso à universidade, com os numerus clausus, embora também tenhamos propostas para isso, mas são questões paralelas.

A questão do “ano zero” é, desde logo, passar um ambiente de disciplinas para um ambiente de cadeiras, porque não é só uma alteração de semântica, há realmente uma mudança no que diz respeito à relação com os professores, na participação e envolvimento dos estudantes, que deve ser mais ativa.  

JPN – Falam da criação de um Fundo de Apoio ao Estudante do Ensino Superior. Como funcionaria?

JP – Há um problema de financiamento do ensino superior. E defendemos que as propinas acabem no 1.º ciclo [licenciaturas]. Isso vai ter consequências ao nível do financiamento. Entre outras formas de financiamento, que defendemos para cobrir esse fundo, uma das propostas passa por, aqueles que mais beneficiaram da sua formação superior e que, por norma, estão no escalão mais alto do IRS, uma parte desta contribuição fiscal possa contribuir para financiar este Fundo de Apoio ao Estudante do Ensino Superior.

Porquê? Por uma questão de justiça. Aqueles que mais beneficiaram de uma educação que devia ser gratuita, no nosso entender, uma educação de qualidade no ensino público, depois são chamados a contribuir através dos seus impostos, dos quais uma parte serviria para financiar este fundo, para que este fundo possa, por sua vez, financiar novos estudantes, em particular aqueles que mais precisam. E estes estudantes podem, depois, entrar nestes escalões mais elevados de IRS no futuro, através de melhores salários, por terem tido acesso à educação superior.

JPN – O facto de alguém chegar a um nível de rendimento mais elevado pode não decorrer, por si só, da formação que teve.  

JP – Certo. Casualidade não é correlação. O que digo é: se houver mais educação, há mais gente a receber mais. Se mudarmos a estrutura da nossa economia, muitas destas pessoas vão encontrar emprego em Portugal e não precisam de emigrar. Com este fundo, cria-se uma espécie de ideia de justiça intergeracional, mas que será apenas importante e só funciona se conseguirmos fixar estas pessoas formadas e fixá-las em empregos em que possam ser valorizadas e receber de acordo com as suas formações. 

Para finalizar, e numa ideia, o que nos tem a dizer sobre:

Trabalhadores do sexo
É uma classe de trabalhadores, maioritariamente trabalhadoras, específica, em relação à qual o Livre continua a manter uma posição fixa – é essencial que essas mulheres (na sua grande maioria são mulheres) sejam protegidas em termos de segurança, saúde e segurança social e o que irá ser o seu futuro.

Emergência Climática Nacional
Emergência, emergência, emergência. Temos dez anos para agir de maneira radical, Portugal está na linha da frente dos países europeus que mais vão sofrer com as alterações climáticas e pode e deve estar na linha da frente dos que apresentam soluções.

Morte assistida
Sim, sem dúvida. Morrer com dignidade caso assim se deseje.

Canábis
Sim. Legalizar e taxar são palavras que resumem bem o tema.

Educação Moral e Religiosa
Defendemos a retirada dessa disciplina porque à escola pública e laica se deve dar prioridade à Educação para a Cidadania, que defendemos. A formação religiosa, em relação à qual não temos nada contra, deve ser dada nos locais de culto e pelas igrejas de acordo com as suas crenças.

Democracia transnacional europeia
Sim, somos um partido europeísta, que acredita na necessidade da democracia europeia e que acredita, acima de tudo, que Portugal pode ter uma voz mais interventiva e assertiva dentro da União Europeia.