E foi no último dia que o mais (in)esperado aconteceu. Em dois dias, apesar da grande ameaça, os festivaleiros do Primavera Sound conseguiram escapar à chuva que se anunciava – mas que acabou por não chegar. Felizmente.

Dois dias que deram para sentar na relva e para fazer do tempo gato sapato. Mas ao terceiro e último dia de festival, a chuva fez-se sentir – contudo, nada parou a festa que o Primavera instaurou no Parque da Cidade. Com o horário normal de abertura, pelas 16h00, o último dia do festival antevia a atuação do gigante Nick Cave and The Bad Seeds.

“Fecha o guarda-chuva!” Ouvia-se entre o público que se juntava no palco NOS, onde o australiano iria actuar, pelas 22h00. Após o apelo, mais e mais foram fechando a olhos vistos. E o público aplaudiu.

Com cada vez mais gente a juntar-se, apesar da chuva miudinha que caía, Cave subiu ao palco – e o público delirou. Apesar de não ser britânico, a pontualidade do australiano foi exímia. Passavam poucos minutos da hora marcada e já Nick Cave estava a declamar “Jesus Alone”, do seu mais recente álbum Skeleton Tree.

A seguir tudo seria uma demonstração de amor mútuo. Entre músicas sussurradas, toques e mãos dadas,  o cantor e o público eram um só. Quanto à chuva, essa ficou esquecida – aliás, Cave queria é que chovesse. “Cantemos juntos e, assim, talvez chova ainda mais, porque esta chuva é bonita”. E sentou-se ao piano para cantar e dedilhar “Into My Arms”.

Percorrendo o seu longo repertório – de 1984 até 2016 -, Nick Cave manteve o contacto com o público, através de uma plataforma que o aproximava dos fãs. Pareceu fazer pequenas serenatas, abraçou-se a quem lhe estendia a mão e até chegou a descer, no meio da multidão, de forma a alcançar uma outra plataforma.

Em jeito de despedida, chamou alguns fãs da linha da frente ao palco. O objectivo? Criar um pequeno coro, à la Cave, que daria voz a “Push The Sky Away”, a última música a ser recitada pela lenda do rock n’ roll.

Sem tempo para hesitar, a próxima paragem fazia-se no palco SEAT, com The War on Drugs a atuar pela primeira vez em Portugal. “Vocês são os verdadeiros heróis!”, gritou Adam Granduciel, o vocalista da banda de Filadélfia, dirigindo-se ao público. “É um prazer estar aqui”, mesmo que com muita chuva a cair.

Numa viagem a alguns dos seus êxitos, como “Red Eyes”, “Holding On” e “Lost in the Dream“, os norte-americanos apresentaram, também, o seu mais recente álbum, A Deeper Understanding – e deliciaram os ouvintes com uma interpretação alargada de “Under the Pressure.

Numa viagem aos anos 1980, a banda prosseguiu debaixo da bátega com uma pequena audiência que resistiu. Mais acima, num coberto, encontrava-se outra pequena multidão, que se resguardava do mau tempo sem querer perder o concerto.

“Queríamos uma despedida em grande, mas não está a acontecer”

Mas a chuva e o Primavera Sound combinam? Como é que se lida com as condições atmosféricas?

Galochas, impermeáveis, guarda-chuvas, gorros e chapéus foram a tendência do último dia. E nem a organização ficou de fora. Aos festivaleiros mais desprotegidos (e, quiçá, esquecidos), foram oferecidos guarda-chuvas e impermeáveis, que rapidamente se tornaram nos auxiliares mais desejados. Sim, porque nem a chuva parou o público de assistir aos vários concertos.

De propósito no terceiro dia do festival para ver Nick Cave, as amigas Vera (Farinha e Caeiro) referem que o Primavera “é um bocadinho mais triste havendo chuva – mas é ótimo na mesma”. “Sempre ouvi dizer que as pessoas se sentavam na relva, todas felizes e contentes”, explicou Vera Farinha. “E eu não tive essa parte. Estou um bocadinho triste. À parte disso, todos os concertos são ótimos”, declarou.

O tão esperado concerto viram-no, à chuva, de impermeável: “ainda bem que nos deram estas coisas brancas. Parecemos todos uns bonecos de trapos, mas estamos todos bem”, brincou Vera Farinha. “Foi emocionante, giro e divertido”, completou a outra amiga que está pela primeira vez no Parque da Cidade para o festival – ao contrário da sua homónima. “Foi maravilhoso”, concluiu.

Quem não achou tanta piada à chuva foi outro grupo de amigas, que quando o JPN as encontrou tinham acabado de receber um guarda-chuva. “Queríamos uma despedida em grande, mas não está a acontecer”, queixou-se Carolina Cunha, que, tal como muita gente, viu na zona de restauração coberta um abrigo.

“Nós tentamos ficar aqui [sobre o toldo] o máximo de tempo que conseguimos, mas é muito complicado”, disse a amiga Eva Fisahn. “É mesmo um incentivo para ir para casa.” Apesar disto, não desistem de ir aos concertos. Quando lá estão, esquecem “que está a chover”, de forma a aproveitar o momento. “Mas depois ficamos assim”, dizem, a apontar para as suas roupas encharcadas.

O que é que a chuva lhes tira? “O à vontade”, explica Carolina. Isto porque, como resume Eva, “ficamos com frio, encharcadas e cheias de lama”.

Habituadas à chuva, as dinamarquesas Hannah Anson e Miranda Fisher, têm uma opinião diferente: “já vimos pior”. “Acontece muitas vezes na Escandinávia, nos festivais”, explica Hannah. E talvez por isso a preparação para a chuva tenha sido pouca. A estratégia é outra: “Nós trouxemos um guarda-chuva e depois é só beber muito e esquecer que está a chover.”

Presenças assíduas, no Primavera Sound de Barcelona (onde o conceito original surgiu), não desdenham a versão portuense “muito mais íntima”.  “É um festival muito bom e é um parque agradável”, completa Hannah. A única coisa que lamentam é que, devido à chuva, não tenham conseguido explorar muito o parque.

Com uma afluência (média) diária de 30 mil visitantes, o dia mais procurado foi mesmo o terceiro, que já tinha esgotado os bilhetes. Anda assim, 60 nacionalidades passaram pelo recinto no Parque da Cidade e a próxima edição já foi anunciada.

Artigo editado por Filipa Silva