A 9 de outubro de 2015, Marcelo Rebelo de Sousa anunciava a sua candidatura às eleições presidenciais de 2016 em Celorico de Basto, Braga, terra da avó, numa ação com a simplicidade e proximidade que viriam a marcar a sua campanha.

Não houve cartazes, comícios, comitiva ou hino de campanha, apenas contacto popular e momentos com os jornalistas. Sandra Sá Couto, jornalista da RTP que desde 2001 faz cobertura de campanhas eleitorais, apercebeu-se de que estaria perante um fenómeno. “Em conversa com colegas, percebemos que não só era uma campanha minimalista, mas eventualmente única e irrepetível”, conta ao JPN.

O modelo utilizado pelo atual Presidente da República rompeu com aquilo que era formalmente uma campanha eleitoral. Em vez disso, ancorou-se na relação estabelecida com os portugueses ao longo de muitos anos de comentário televisivo, na RTP e na TVI. “Marcelo era uma celebridade que se tinha metido na política, mas também tinha sido um político que se tornara celebridade”, nota Sandra Sá Couto.

Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo Rebelo de Sousa Foto: Wikipedia

Numa altura em que se falava do “presidente eleito na televisão”, a professora do curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (de que o JPN faz parte) decidiu debruçar-se sobre o conceito de “político-celebridade” na sua tese de doutoramento, a qual defendeu na última semana na FLUP.

Interessava-me pensar por que é que existem e por que é que as pessoas se encantam com eles”, explica, acrescentando que isto se justifica, não só pelo impacto que geram nos media, como também “pelo desencanto das pessoas com os partidos políticos tradicionais”.

Para analisar o que faz de Marcelo o “Presidente-Celebridade”, Sandra Sá Couto realizou um estudo empírico sobre os editoriais do “Público”, “Diário de Notícias” e “Expresso” publicados entre 10 de outubro de 2015 a 15 de março de 2016, período em que Marcelo foi candidato, e 10 de outubro de 2016 a 15 de março de 2017, já depois de ter sido eleito. “Os editoriais têm um papel muito importante na formação da opinião pública”, sublinha.

Acima de nós, mas um de nós

A frequência de palavras foi um dos critérios para ver “se os jornalistas enquadravam Marcelo como político-celebridade ou se lhe viam mais qualidades”. Selecionados os editoriais que faziam referência ao objeto de estudo, a palavra mais utilizada era, justamente, “Marcelo”. O que surpreende no resultado, nota, é que é “apenas Marcelo”, sem os apelidos que caem para o fim da lista. “Isto quer dizer que os jornalistas, tal como as outras pessoas, chamam o Presidente pelo nome próprio, uma coisa única na política portuguesa”, reconhece.

“Não” é a segunda palavra mais frequente, resultado que se deve não só ao peso do advérbio no discurso coloquial, mas à utilização do litote, recurso linguístico pelo qual se afirma algo negando o seu contrário. “Em vez de escrever ‘Marcelo é competente’, escreve-se ‘Marcelo não é incompetente’”, clarifica a doutorada. “Assim, o jornalista não compromete a sua isenção”.

O “Paradoxo do Líder Democrático”, teoria de John Kane e Haig Patapan, é um dos pontos que sustenta a tese de Marcelo como presidente-celebridade. Os investigadores da Griffith University referem que o líder é alguém que deve estar acima dos que governa e ter credibilidade para governar e, ao mesmo tempo, deve demonstrar ser um dos que governa. “Marcelo é alguém que se senta no passeio com um sem-abrigo a comer pão, mas é alguém a quem o povo português reconhece saber e credibilidade para governar”, analisa ainda Sandra Sá Couto.

“Uma vacina anti-populismo”

De acordo com a jornalista, a comparação do enquadramento mediático feito durante a campanha e após as eleições mostra que, no período de campanha, “os jornalistas raramente lhe encontram algumas qualidades além de ser ‘o mais famoso comentador da televisão’”. Já no período em que se inicia na Presidência, “continua a ser enquadrado como político-celebridade, mas já lhe veem outros atributos”. Na fase final da análise, “reconhecem que é um presidente popular, mas começam a achar que tem excesso de exposição”.

A investigação teve por base, ainda, algumas entrevistas a nomes como Pedro Duarte, diretor de campanha de Marcelo Rebelo de Sousa, ou aos politólogos António Costa Pinto e Carlos Jalali. Apesar de “correr o risco de se tornar um homem providencial, alguém de quem as pessoas esperam tudo”, funciona como uma espécie de “vacina anti-populismo”. “O espaço mediático que ele ocupa poderia estar a começar a ser preenchida por movimentos populistas”, problematiza Sandra Sá Couto.

Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito a 24 de janeiro de 2016 com 52% dos votos. Um ano depois, de acordo com a empresa de media intelligence Cision, o Presidente da República protagonizara mais de mil horas de emissão nas televisões, 208 horas na rádio e cerca de 18 mil artigos na imprensa.

Artigo editado por Filipa Silva