As aulas prosseguem a partir de casa. Mas a Covid-19 não fechou só as portas das instituições de ensino superior. O impacto no bolso de estudantes e famílias levanta preocupações com o pagamento das propinas, durante os próximos meses.

Primeiro, foi a Universidade da Madeira (UMa) a anunciar “um período de carência de dois meses” para o pagamento de propinas, na quinta-feira passada (19). No sábado, foi a vez da Associação Académica de Coimbra (AAC) endereçar um pedido de “suspensão imediata” desta prestação ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES). À mesma entidade, a Federação Académica do Porto (FAP) enviou uma carta aberta, que apela à “eliminação dos juros de mora”, entre outras medidas.

Os Politécnicos, de acordo com o jornal “Público”, também ponderam alargar os prazos para o pagamento das propinas. Aliás, o Instituto Politécnico de Setúbal (IPS) já o fez, sem decidir se o período se estende por mais dois ou três meses. A evoluação da pandemia de Covid-19 assim o dirá.

Há, ainda, quem avance com petições públicas. É o caso de Izabella Bueno, aluna da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Na quinta-feira (19), a estudante internacional mobilizou os colegas de turma e criou uma petição pública online, a apelar ao “perdão ou redução das propinas dos estudantes da UPorto”. O abaixo-assinado reúne mais de duas mil assinaturas e já foi enviado para a reitoria da Universidade do Porto (UP). 

Ao JPN, Izabella Bueno conta que se vê obrigada a “escolher entre renda, alimentação ou propina”. O rendimento que retira da atividade de freelancer é insuficiente para cobrir todos os gastos de estudar e residir no Porto. Contava com o apoio do marido, empregado numa empresa do setor do turismo, para frequentar o mestrado em Ciências da Comunicação. Devido à pandemia do novo coronavírus, a empresa dispensou a maior parte dos trabalhadores, incluindo o marido da estudante.

“Achava que era uma situação minha, mas conversei com outros colegas que estavam na mesma situação. Perderam empregos com o fecho do comércio e serviços, não tinha reservas e não sabiam como continuar”, conta. Apercebendo-se que vários estudantes (principalmente, brasileiros) estavam a contactar a reitoria da UP para congelar a matrícula e voltar para o Brasil, devido à falta de meios de subsistência, Izabella iniciou a recolha de assinaturas online. 

A Universidade do Porto abrange cerca de 300 mil alunos e é a segunda maior instituição de ensino superior do país.

A UP é a segunda maior universidade do país, com cerca de 30 mil estudantes.

Por parte da FAP, o apelo foi enviado no domingo (22), ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. A carta aberta propõe a “eliminação dos juros de mora no pagamento de propina” e a “criação de uma linha de apoio adicional à qual os estudantes possam recorrer”. 

Ao JPN, Marcos Alves Teixeira, presidente da FAP, esclarece que a primeira reivindicação é garantir que “nenhum estudante deixe de estudar por falta de dinheiro”. “Em vez de retirarmos as propinas, propomos que sejam eliminadas as taxas de juro; quem puder pagar, paga; quem não puder, não paga e não é prejudicado por isso”, explica o dirigente associativo.

A linha de apoio adicional, proposta pela FAP, pretende dar resposta a “todas as famílias que, ou os pais perderam o emprego, ou o salário foi reduzido, ou porque trabalham a recibos verdes e não têm qualquer tipo de apoio”. Aos estudantes que provassem ter existido uma diminuição dos rendimentos, seria disponibilizado um “apoio extra”, garantindo que “o impacto previsto, no início do ano letivo, do valor das propinas no rendimento mensal não é alterado”, explica Marcos Alves Teixeira. 

Sobre a carta aberta da FAP, Izabella Bueno acredita que eliminar os juros no pagamento das propinas é a medida “menos prejudicial para ambas as partes – instituição e alunos”. Contudo, relembra que o valor da propina não se restringe apenas às aulas, mas a todos os recursos disponibilizados pela UP, como bibliotecas, e as próprias instalações. “As faculdades não estão a ter custos com a manutenção desses espaços”, pelo que “talvez seja razoável algum desconto, nesse sentido”. 

O presidente da FAP relembra que “só passou uma semana ainda” – desde que a suspensão das aulas presenciais em todas as Instituições de Ensino Superior (IES) entrou em vigor -, e que “as coisas estão a ser bem resolvidas”. Em comunicação constante com as diversas associações de estudantes, têm-se identificado os estudantes que não dispõem dos recursos digitais necessários para a aprendizagem à distância. 

Na “cidade dos estudantes”, a luta preconizada pela Associação Académica de Coimbra (AAC) é a da “suspensão imediata das propinas”, a par de um reforço da ação social para os estudantes que não têm total acesso ao ensino digital. “Se a propina é uma taxa que o estudante paga pela utilização, ou de acesso à universidade, não tendo a totalidade do serviços, obviamente que queremos a sua eliminação nos próximos meses”, afirma Daniel Azenha, presidente da direção-geral da AAC, em declarações ao JPN.

A Universidade de Coimbra é a mais antiga do país e tem mais de 25 mil alunos inscritos.

A Universidade de Coimbra é a mais antiga do país, com cerca de 25 mil alunos inscritos.

A Universidade de Coimbra, até mesmo para os estudantes bolseiros, que não têm Internet em casa, ou um computador, está a disponibilizar tablets aos estudantes, mas nós sabemos que a realidade do país não é essa”, expõe o Daniel Azenha.

“É preciso que o Governo tenha atenção à realidade das famílias a nível nacional, até porque falamos de um processo a longo prazo”, alerta o dirigente associativo. “Não condicionar o futuro dos jovens, nem criar desigualdades” devem ser prioridades nacionais, acrescenta.

O JPN procurou saber, junto do MCTES, se o Governo vai dar resposta às reivindicações dos dirigentes associativos, mas não obteve resposta até ao fecho deste artigo. No entanto, a propósito do Dia Nacional do Estudante, que hoje se celebra, o ministro Manuel Heitor enviou uma carta às associações estudantis.

Na mensagem, a que o JPN teve acesso, o ministro admite que os próximos tempos são de aperto, com “novas dificuldades económicas para as famílias”, relembrando que “os apoios sociais de emergência estão aptos a ser usados”, de acordo com o que está já legalmente previsto. Por enquanto, sem novas alterações, Manuel Heitor garante que “outras eventuais situações de emergência serão analisadas sempre que necessário”.

O ministro assegura o “normal funcionamento dos pagamentos de bolsas e contratos de investigação, das bolsas de estudo de ação social e respetivos complementos e benefícios e das bolsas de estudo de apoio à realização de períodos de estudos em mobilidade”, como resposta às preocupações enviadas por alguns dirigentes associativos.

Na Universidade da Madeira, os estudantes “que se encontrem em grandes dificuldades financeiras e que não recebam uma bolsa que já suporta o pagamento das suas propinas”, dispõem de um período adicional de dois meses para pagar a prestação. A medida de resposta à atual situação de emergência, anunciada numa nota divulgada a 19 de março e assinada pelo reitor da Universidade da Madeira, José Carmo, foi pioneira a nível nacional.

As medidas extraordinárias de combate ao novo coronavírus, que incluíam a suspensão das atividades e letivas e não letivas presenciais, foram anunciadas a 13 de março. O ensino à distância foi a solução encontrada, mas a implementação do modelo varia nas diversas instituições de ensino superior. São diferentes os ritmos, as respostas e as reações desencadeadas.