Em conferência de imprensa, a Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla inglesa) reconheceu, esta quarta-feira (7), uma “relação causal provável entre a toma da vacina e os eventos trombembólicos”, decidindo, contudo, manter a recomendação da toma da vacina da AstraZeneca, sem discriminação de idades ou género, por considerar que os benefícios “superam os riscos”.
Quase à mesma hora, o regulador britânico anunciava que, no Reino Unido, para os cidadãos abaixo dos trinta anos, vai ser oferecida uma vacina alternativa à da AstraZeneca. É a primeira vez que as autoridades britânicas admitem os riscos associados à toma desta vacina.
Eventos são raros, mas é preciso estar atento
Emer Cook, presidente da EMA, sublinhou, na conferência de imprensa, que “os benefícios da vacina na prevenção da Covid-19 superam os riscos dos efeitos secundários”.
Os eventos tromboembólicos em causa são considerados muito raros. Até 4 de abril, ocorreram 169 eventos de Trombose venosa cerebral (TVC) em 34 milhões de vacinas administradas no Espaço Económico Europeu.
A vacina “está a salvar vidas” e “temos que usar as vacinas que temos”, acrescentou Cooke. A autovigilância, porém, é fundamental, nas duas semanas seguintes a receber o imunizante. Os inoculados devem estar atentos a alguns sinais de alarme como falta de ar, dores no peito ou inchaços no pescoço. Este conjunto de sintomas será, em breve, incluído nas indicações do produto.
Nesta fase, segundo a EMA, não é possível determinar, por faixa etária ou género, qual o grau de probabilidade dos efeitos secundários ocorrerem.
Estudos prosseguem nos próximos meses
Os casos em apreciação foram comparados a eventos trombolembólicos induzidos pela heparina. No caso deste anticoagulante, a trombose é causada por uma resposta imunitária semelhante à detetada após a toma da vacina da Astrazeneca. Esta hipótese continua ainda, porém, por demonstrar, sublinhou Sabine Straus, do Comité de Avaliação do Risco em Farmacovigilância (PRAC) da EMA.
A agência europeia irá agora solicitar à AstraZeneca um conjunto de estudos complementares, de carácter laboratorial, clínico e epidemiológico. Paralelamente, a EMA irá desenvolver a sua investigação, tendo já estabelecido um acordo de cooperação com as universidades Erasmus e de Utrecht nesse sentido, cujos resultados são esperados nos próximos dois meses.
Não está descartada a possibilidade deste tipo de efeitos secundários estar associado à tecnologia utilizada na vacina. O imunizante da AstraZeneca, à semelhança da Jansen e da Sputnik, é feito à base de um adenovírus (uma versão modificada, não prejudicial do vírus). Pelo contrário, as vacinas da Pfizer-BioNTEch e da Moderna utilizam um Rna-mensageiro.
Reunião informal de ministros da Saúde dos 27
Os ministros da Saúde da União Europeia reúnem ao final da tarde para coordenar posições e chegar a um “entendimento comum” sobre a matéria, lê-se num comunicado do Governo português.
Também o Presidente da República se pronunciou sobre o caso. Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações aos jornalistas, afirmou que é necessário os países europeus assumirem “uma posição unida, clara e duradoura”, tão rapidamente quanto possível, classificando as polémicas em torno da vacina como uma “via sacra”.
Já depois de conhecidas as conclusões da EMA, António Costa admitiu que o Governo português seguirá, à imagem do que aconteceu noutras ocasiões, as recomendações dos técnicos. Anteriormente, o primeiro-ministro admitiu que se surgisse um “berbicacho” com a vacina da AstraZeneca, tal poderia ter um impacto negativo no processo de vacinação em curso.
Dificuldades da ciência lidar com a ribalta
Ricardo Mexia, em declarações ao JPN, sublinha que o que está a ocorrer traduz “o funcionamento normal da farmacovigilância de uma vacina ou de qualquer outro medicamento”. Até porque as vacinas “são seguras, mas não são inócuas. Comportam riscos”.
O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública concorda que, considerando os dados apresentados pela EMA, a toma da vacina deve ser mantida: “Até ver, os riscos de não ser vacinado são muito superiores aos riscos de ser vacinado”.
Nesta fase, é preciso “deixar a ciência funcionar”. O problema está mesmo na forma de comunicar para a opinião pública o escrutínio que está ser feito: “Temos avanços e recuos que geram apreensão” e podem agravar a hesitação vacinal dos europeus.
Ricardo Mexia confia, contudo, que os portugueses continuarão a preferir ser vacinados: “Portugal, até ao início da pandemia, era um dos países com melhores índices de aceitação da vacinação. Esperemos que isso não mude”.
Há um mês debaixo de fogo
Medidas cautelares relativamente à vacina da AstraZeneca começaram a ser tomadas no início de março, sensivelmente seis semanas depois da sua aprovação pela EMA, quando a Áustria avançou com a suspensão do uso de um lote suspeito. Em causa, esteve a morte de uma enfermeira de 49 anos.
Desde então, face ao acumular de novos casos suspeitos, vários países têm suspendido total ou parcialmente a utilização da vacina. Noruega e Dinamarca mantiveram a suspensão total, mesmo depois da EMA ter garantido a 18 de março, após revisão dos dados disponíveis, que a vacina produzida pela companhia anglo-sueca era “segura e efetiva”.
Nesse mesmo dia, especialistas noruegueses asseguraram existir uma relação entre a administração da vacina e os coágulos sanguíneos, algo que a EMA veio hoje admitir como “provável”.
Artigo editado por Filipa Silva