Quase 90% dos portugueses acredita que há corrupção no Governo e 41% afirma que a corrupção no país piorou no último ano. Na lista dos mais corruptos, aos olhos dos portugueses, estão os deputados da Assembleia da República, os banqueiros e os empresários.

Em análise a estes dados, retirados do relatório “Olhar dos Cidadãos e Experiências de Corrupção, João Paulo Batalha, consultor em políticas de anticorrupção, destaca o facto de as instituições políticas serem as que estão mais associadas à corrupção. O antigo presidente da Transparência e Integridade, Associação Cívica (TIAC) considera que “do ponto de vista dos portugueses, temos muita corrupção e não estamos a combatê-la”, portanto, “a situação ou está a piorar ou, pelo menos, não está a melhorar”.

João Paulo Batalha defende que “as pessoas veem-na [a corrupção], mas ninguém a sente, ninguém a pratica. As pessoas percecionam muita corrupção, não no centro de saúde ou na escola, mas sim no governo, no parlamento e na ligação do poder político com o poder económico, nomeadamente na banca.”

Mesmo que não houvesse corrupção rigorosamente nenhuma e se as pessoas tivessem essa perceção, isso era em si mesmo um problema.

O consultor em políticas de anticorrupção defende que os resultados do relatório não podem ser desconsiderados, pois traduzem a “confiança que os cidadãos têm ou não no sistema político, não só para combater a corrupção, mas para terem serviços públicos a funcionar”, porque “mesmo que não houvesse corrupção rigorosamente nenhuma e se as pessoas tivessem essa perceção, isso era em si mesmo um problema”, afirma.

João Paulo Batalha relembrou que há outros indicadores que também podem ser falíveis, como por exemplo o número de condenações por corrupção: “Por essa métrica poderíamos dizer que praticamente não há corrupção em Portugal ou é um problema residual e isso não me parece que corresponda à verdade”.

A cunha e o suborno acabam por ser uma forma de defesa ou negociação com um sistema que não é eficaz.

Em relação à diferença entre os resultados da prática de suborno e do uso de ligações pessoais na obtenção de serviços públicos, entre países da Europa de Leste e da Europa Ocidental, respetivamente, o consultor justifica essa realidade com o “desenho e a maturidade das instituições públicas da própria Democracia“. “Em países com uma experiência ditatorial maior e que durou até mais recentemente, este pagamento de pequenos subornos para aceder a serviços públicos era comum”, explica João Paulo Batalha. De um modo geral, “a cunha e o suborno acabam por ser uma forma de defesa ou negociação com um sistema que não é eficaz”, afirma.

Segundo o consultor, os subornos são cada vez menos frequentes em Portugal, porque houve uma informatização dos serviços públicos que contribuíram para que colocar “um papel no topo ou fundo da pilha” deixasse de ter grande efeito. No entanto, devido à desorganização dos serviços públicos, os portugueses passaram a usar cunhas para ultrapassar essas disfunções. Assim, João Paulo Batalha explica que as cunhas, geralmente, são usadas para as pessoas “terem acesso a coisas a que têm direito”, ou seja, “alguém é corrompido para praticar um ato lícito”.

João Paulo Batalha aponta a “corrupção política, tanto a nível local para darem determinadas licenças em projetos urbanísticos, como a nível central, com o licenciamento de grandes negócios e grandes projetos de contratação pública para obras públicas”, como o tipo de corrupção mais relevante em Portugal. Há uma “gigantesca promiscuidade entre a política e os negócios do sistema financeiro e há imensos ex-políticos nos conselhos de administração destes setores”, o que contribui para que 63% dos portugueses inquiridos acreditem que a administração central e local é controlada por interesses empresariais e privados, afirma o consultor.

O relatório ainda refere que 85% dos inquiridos em Portugal considera que tem um papel no combate à corrupção. João Paulo Batalha caracteriza esse dado de “encorajador”, mas simultaneamente é algo negativo, visto que “reflete, em grande medida, o facto de os portugueses não confiarem noutras instituições”, quer políticas, quer judiciais para essa tarefa.

É difícil mobilizar os cidadãos, sobretudo de forma continuada para fazer pressão sobre os poderes

Com base na experiência que teve enquanto presidente da TIAC, o consultor reconhece que “é difícil mobilizar os cidadãos, sobretudo de forma continuada para fazer pressão sobre os poderes”. No entanto, realça que “o escrutínio tem vindo a melhorar, não só em casos de corrupção em concreto, mas nas falhas do sistema e nas regras que precisam de ser mudadas ou reformadas”. João Paulo Batalha dá como exemplo a decisão judicial da Operação Marquês que levantou uma pressão pública sobre a questão do enriquecimento ilícito.

Assim, o consultor afirma que “o trabalho [de anticorrupção] dos governos nunca foi e continua a não ser uma prioridade e isso está intimamente relacionado com o facto de termos corrupção política e não de funcionários administrativos”. João Paulo Batalha responsabiliza o poder político de não elaborar políticas nacionais de anticorrupção, acusando-os de reagirem meramente a escândalos episódicos que se vão sucedendo. Portanto, “não fazem uma avaliação do sistema tal como ele existe, daquilo que funciona e daquilo que não funciona. Acabam quase sempre por fazer uma abordagem legislativa, em que revemos leis ou criamos leis novas que são difíceis de interpretar e de implementar”, conclui.

Deste modo, João Paulo Batalha afirma que essa é uma “a atitude típica de quem não quer resolver o assunto” o que acaba por dificultar a promoção de mudanças estruturais.

Artigo editado por João Malheiro