Nas vésperas de uma cimeira da União Europeia (UE), onde se vai discutir uma injeção de 3,5 mil milhões de euros para a Turquia para reter refugiados no seu território, a Grécia é alvo de fortes acusações da Amnistia Internacional, presentes num novo relatório publicado esta terça-feira

Em comunicado de imprensa, a organização afirma que “as forças de fronteiras gregas estão a deter violenta e ilegalmente grupos de refugiados e migrantes antes de os devolver, sumariamente, à Turquia”, violando, desta forma, os “seus direitos humanos sob a Lei da UE e a Lei Internacional”.  

Desta forma, o relatório, intitulado “Greece: Violence, lies and pushbacks”, aborda os retornos forçados para a Turquia e episódios de violência contra refugiados no território grego, apresentando, igualmente, testemunhos de refugiados e migrantes que sofreram tais ataques. Assim, o documento pretende salientar “a frequência e a similaridade de padrões de violação [de direitos humanos], focando-se sobretudo na fronteira terrestre entre a Turquia e a Grécia”, como refere o relatório. 

É claro que os múltiplos braços das autoridades gregas estão a coordenar-se estreitamente para ​​​​​​​prenderem brutalmente e deterem pessoas que procuram segurança na Grécia, sujeitando muitos à violência, transferindo-os depois para as margens do rio Evros, antes de os devolver sumariamente à Turquia”, afirma Adriana Tidona, investigadora da migração para a Europa, da Amnistia Internacional, em comunicado oficial. 

A investigadora diz que o estudo levado a cabo pela organização “mostra que a repressão violenta tem se tornado a política de controlo da fronteira de facto grega na região de Evros”, localizada nos limites fronteiriços entre a Grécia e a Turquia.

Para além disso, a Amnistia Internacional, no comunicado de imprensa, conclui que, através da investigação e da escuta de inúmeros testemunhos, recolhidos entre junho e dezembro do ano passado, “as violações de direitos humanos nas fronteiras da Grécia continuam e têm se tornado uma prática entrincheirada“, isto é, completamente enraizada e usada recorrentemente por parte das autoridades gregas. 

A Amnistia Internacional exige o fim da deportação de refugiados por parte das autoridades gregas e que a Turquia não obrigue os refugiados a regressar à Grécia, assim como reivindica o facto de a União Europeia garantir o cumprimento dos seus princípios e regras por parte dos gregos, começando um processo de infração contra o Estado. 

Testemunhos reais

De maneira a facilitar a repressão, as autoridades recorrem à “violência e outros atos que podiam chegar a tortura ou tratamento desumano ou degradante”, salienta o documento publicado esta terça-feira. Segundo o relatório, muitas das agressões sofridas “incluíram golpes com paus ou bastões, pontapés, murros, estalos e empurrões”, que, consequentemente, provocaram “lesões graves”. Para além disso, os homens eram, várias vezes, revistos de forma “humilhante e agressiva” pelo facto de as autoridades os porem nus em sítios públicos.

Tal como já foi referido anteriormente, o relatório da autoria da Amnistia Internacional baseia-se em 16 testemunhos de migrantes e refugiados, que admitem “ter experienciado ou testemunhado violência de pessoas que descrevem como oficiais gregos em uniformes, assim como homens em roupas civis”. Para proteger as identidades dos testemunhos, a organização decidiu alterar os seus nomes no relatório.

Saif foi uma dessas testemunhas. O jovem sírio de 25 anos admitiu que, das quatro vezes que tentou chegar à Grécia, sempre em agosto de 2020, foi sempre impedido pelas autoridades na fronteira deste território. Saif contou à Amnistia Internacional que, na segunda tentativa, o grupo com quem ele viajava, com cerca de 60 adultos e crianças, foi emboscado por “soldados sem uniformes e balaclavas [máscaras para o frio] pretos”, tendo sido depois “transferido para as margens do rio Evros”, perto da fronteira grega com a Turquia. Duas pessoas do grupo tentaram fugir, mas acabaram por ser agredidas “impiedosamente” por um soldado, tendo uma delas ficado com a coluna partida. 

Entretanto, outro indivíduo revelou que, durante uma operação de retorno, “ele e o grupo foram forçados a sair do barco e [a ir] para dentro de água perto de um ilhéu no meio do rio Evros, onde ficaram encalhados durante dias”. Segundo o testemunho, um desses homens não conseguia nadar e, por isso, pediu ajuda, porém, acabou por ser arrastado pela corrente e morreu afogado.

Outro depoimento relevante vem de Nabil, de 31 anos, que era, desde 2019, requerente de asilo, na Grécia. O sírio admitiu que foi preso assim que chegou ao porto de Igoumenitsa, cidade do noroeste da Grécia.

De seguida, esteve preso durante dois dias numa instalação no porto com curdos iraquianos, iranianos, afegãos, entre outros. Segundo a polícia, Nabil foi preso por “entrar ilegalmente no porto” e iria ser transferido para Atenas e, posteriormente, ser liberto.

No entanto, o refugiado de 32 anos e o grupo que o acompanhava acabaram por ser levados para “um local de detenção na região de Evros”, onde foram agredidos. No mesmo dia, o grupo foi levado para o rio Evros e foi “empurrado” para a Turquia.

“Eu fui agredido na minha cabeça e havia sangue a sair da minha orelha. Eu tive cirurgia nos olhos para uma catarata, mas sendo que fui espancado, não consigo ver muito bem daquele olho”, revelou Nabil à Amnistia Internacional. 

Artigo editado por João Malheiro