Ficar ou voltar? O dilema de três portugueses que falaram ao JPN sobre a atual situação na Ucrânia. Há quem espere regressar rapidamente à Ucrânia e há quem ache que não faz sentido sequer sair de lá.

“Não sei”. Esta foi a resposta de Alex Pinto à primeira pergunta: “tudo bem?”. Uma resposta curta do empresário de 57 anos que ilustra a incerteza vivida, atualmente, na Ucrânia.

O português que tem residência permanente há mais tempo em território ucraniano considera que “as pessoas estão preocupadas mas não estão alarmadas”. Estão “otimistas, mas preparadas para o pior”, acredita.

Alex Pinto, o empresário, que é o português que vive há mais tempo na Ucrânia. Foto: Ernesto Leite

Alex revela que, duas horas antes da entrevista ao JPN, aconteceu um “ataque cibernético e, portanto, as aplicações do telefone não estão a trabalhar, a gente não consegue ligar-se ao banco [PrivatBank] através do computador”. Naquele momento, já tinham vindo “dar informação de que tudo o que é dinheiros de depósitos dos clientes está tudo garantido, é só um problema com a aplicação”, acrescenta.

Também o Ministério da Defesa e o Ocshadbank estavam com problemas informáticos, à hora da entrevista. “É como eu sempre disse, a Rússia não precisa de dar tiro nenhum, é só espalhar o pânico e está feito”, afirma.

Apesar da tensão que se vive – que, como descreve o empresário, “agora está pior que nunca” – o português decidiu não regressar a Lisboa. Uma decisão que tem “a ver com a família, com o negócio estabelecido e também com uma certa absorção da cultura”. Seria “como abandonar aqueles que sempre nos receberam bem e nos trataram bem. Não faz sentido”, expressa Alex, que vive na Ucrânia há 17 anos. 

“É como eu sempre disse, a Rússia não precisa de dar tiro nenhum, é só espalhar o pânico e está feito”, Alex Pinto, empresário.

O apoio da embaixada portuguesa em Kiev tem sido constante. O emigrante disse estar “em permanente contacto, por email ou por telefone”.

Uma ligação que não tem sido estabelecida com todos os portugueses, como é o caso de Sara Duarte. A professora, de 44 anos, regressou há três semanas a Lisboa, embora durante todo o processo nunca tenha sido contactada pela embaixada de Portugal em Kiev. “A embaixada portuguesa não me disse nada. Absolutamente nada”, disse. 

Afirmações que contrastam com as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em Paris, que garantiu que “a Embaixada e secção consular em Kiev estão em contacto permanente com todos” os 240 cidadãos nacionais “que residem na Ucrânia”.

A esperança e o receio de quem regressou

Sara Duarte, professora há quatro anos na Ucrânia. Foto: DR

“Eu espero regressar muito rapidamente à Ucrânia”. Este é o desejo de Sara Duarte. É natural de Alcochete, mas vive fora de Portugal “há mais de 20 anos”. Em Kiev, está há quatro, depois de já ter passado por outros países, incluindo a Rússia.

A professora de francês mostra-se otimista quanto à tensão entre a Rússia e a Ucrânia e refere que “assim que começar a haver sinais de acalmia, a nossa vida retoma ao normal”. Uma perspetiva também partilhada pelos amigos que deixou em Kiev.

“Junto da população local não há uma grande tensão. Os ucranianos estão muito calmos, porque os conflitos já existem há oito anos. Por isso, eles não estão muito preocupados”, revelou Sara, em entrevista ao JPN.

A professora tomou a decisão de regressar a Portugal após as indicações da embaixada dos Estados Unidos da América (EUA), visto que trabalha numa escola americana e a maior parte dos docentes, também norte-americanos, “foram recomendados a sair provisoriamente”. Ainda assim, Sara acredita que não há motivo para alarme. “Nós temos precaução, mas isso não significa que temos de estar num estado de pânico”, explica. 

Ireneu Teixeira, jornalista português que regressou a Portugal na passada segunda-feira (14). Foto: DR

Ireneu Teixeira partilha da mesma opinião, na medida em que acredita que “aquelas pessoas estão com muita fé”.  Ainda que não resida de forma permanente na Ucrânia, o jornalista português de 47 anos, que tem servido de correspondente da CNN Portugal em Kiev, visita o país regularmente, uma vez que é casado com uma cidadã ucraniana.  

“Eu vou lá com muita frequência para ver os meus sogros, amigos, primos”, menciona, referindo estar “com receio” do que pode vir a acontecer

O casal regressou a Portugal na passada segunda-feira (14), algo que não foi fácil. “Imagine a minha mulher a abraçar os pais e a dizer ‘está tudo bem’“, relata Ireneu. Os pais da mulher, Nadiia Teixeira, vivem em Oster, na região de Chernihiv. A zona do nordeste da Ucrânia, “onde estão localizadas algumas das maiores bases militares ucranianas, com especial relevo para a de Desna.”

Antes de se despedir da família, Nadiia foi ao supermercado com os pais, para que estes se conseguissem abastecer de mantimentos “para poderem sobreviver durante duas semanas”. “Quem tem dinheiro tem plano A, B e C, e acautela-se. Quem não tem, quem é gente do povo, gente da terra, gente do interior… não há planos”, lamenta. 

“Uma coisa é falarmos de política, outra coisa é falarmos de pessoas. Há pessoas de ambos os lados que sofrem”, Sara Duarte, professora.

A preocupação aumentou ainda mais porque, quando partiram da Ucrânia, as notícias indicavam que já estaria a ser assinado um acordo “não-não” entre os dois países, que resolveria a situação. Quando pisaram solo português, aperceberam-se de “que já era tudo ao contrário”. 

Também as crianças ucranianas já estão a ser preparadas para um eventual escalar do conflito, explica Ireneu. “Os pais dos meninos têm de coser nas roupas os nomes, a morada, os contactos, porque de repente as famílias podem ficar separadas”, acrescentou.

Os três portugueses deixaram claro que é importante distinguir a ideologia política, que motiva o conflito, daquilo que os cidadãos de ambos os países pensam. “Uma coisa é falarmos de política, outra coisa é falarmos de pessoas. Há pessoas de ambos os lados que sofrem”, conclui Sara Duarte, atualmente regressada a Portugal.

Artigo revisto pelo Tiago Serra Cunha

Artigo corrigido às 14h49 de 16 de fevereiro. Os pais de Nadiia Teixeira vivem em Oster, na região de Chernihiv, e não em Donbass como inicialmente se referia.