No próximo ano, está previsto o início da construção da futura ponte de metro sobre o Douro. O JPN foi explorar a zona mais afetada, em Massarelos, onde conversou com os moradores. Os residentes queixam-se de falta de informação, e confessam apreensão e ceticismo. A Faculdade de Arquitetura critica o impacto da obra.
Pelos Caminhos do Romântico, impera o sossego e a tranquilidade. Mas nestas ruas abundantes de sol, viradas para o rio Douro e localizadas no coração de Massarelos, no Porto, está prevista, para o início do próximo ano, a construção de uma nova ponte. Não vai ter carros, mas o metro, as bicicletas e as pessoas que a poderão atravessar, ampliarão, com toda a certeza, o alvoroço citadino no local.
Por outro lado, a construção de uma obra desta envergadura, num prazo curto – terá de estar em funcionamento até ao final de 2025 – implicará necessariamente fortes constrangimentos durante a construção.
A proposta vencedora do concurso de arquitetura já é conhecida, decorre um estudo de impacto ambiental, tiram-se medidas no local, porém, quem mora por estas bandas diz que sabe apenas aquilo que ouve e vê nas notícias e queixa-se da falta de informação oficial sobre o projeto. Temem pelo barulho, pela segurança das casas, pelos impactos na paisagem e até por prejuízos para o negócio. Há quem preveja a possibilidade de mudar de casa e quem diga que dali não sai.
A necessidade de uma ligação por metro a Gaia não é contestada, pelo contrário. O que alguns contestam são as opções tomadas. Mónica Baldaque, filha de Agustina Bessa-Luís, é uma das vozes mais críticas do processo. Ao JPN, na casa que foi dos pais, afirmou: “É preciso pensar nas pessoas que aqui estão, no desenho desta encosta. Entrar por aqui dentro é uma violência para com a paisagem e para com o que existe, que cá está, que tem equilíbrio e que tem sentido. E é uma zona da cidade que devia ser preservada”.
Moradores temem pela segurança das casas
Ainda não é conhecido o trajeto exato da nova ponte, mas os moradores do bairro localizado na Rua Casal do Pedro estão convencidos que o tabuleiro lhes vai passar por cima. Para aí apontam, pelo menos, não só indicações recolhidas junto de técnicos que vão passando pelo terreno, como o próprio vídeo institucional da Metro do Porto com imagens virtuais de como será a nova travessia.
Entre as moradias de tons de amarelo e cinzento, com pormenores de vermelho, os receios abundam. Apesar de reconhecerem os benefícios da obra, o sentimento de preocupação é comum a todos os residentes do bairro – são cerca de 75 no total. Para além dos barulho constante que a construção de uma obra desta envergadura necessariamente implicará, os moradores temem pelas próprias casas, lembrando que são moradias antigas para aguentar as alterações no terreno.
Entre outros desassossegos, mencionam também que um dos pilares da travessia pode vir a assentar no jardim comum que utilizam para estender a roupa – informação que obtiveram após falarem com pessoas a tirar medidas na zona, sem qualquer contacto prévio, asseguram.
Entre os muitos moradores do bairro, encontramos Maria Fausto e Palmira Vieira, duas presenças habituais por estes lados, que admitem “pouco saber da ponte”. Não obstante, temem as repercussões da construção nas suas casas: a questão é “se isto [as casas] aguenta”, dizem ao JPN.
Quando o JPN visitou o local, em meados de abril, nem Maria, nem Palmira – nem qualquer morador, que tivessem conhecimento – tinham sido contactadas por qualquer entidade envolvida no processo. Apesar dos receios, têm uma certeza: “vai avançar, mesmo que haja muita gente contra”.
Por entre os moradores circulou um abaixo-assinado, mas muitos, sem esperanças de sucesso, abstiveram-se de o assinar. Fátima Silva teve conhecimento da iniciativa que correu as casas da zona contra a construção da futura ponte. Contudo, afirma que os moradores do bairro optaram por não assinar o documento, pois tinha-lhes sido dito pela Associação de Moradores de Massarelos “que não adiantaria de nada” e que a travessia seria construída.
A residente do bairro revela-se também insegura quanto à resistência das casas e acredita que possam sofrer vários danos durante a construção da infraestrutura. Fátima Silva ainda tem esperanças de que a construção não se realize, mas, “se realmente for avante”, espera que nenhum morador seja obrigado a abandonar a sua casa.
O que Isabel Cardoso sabe sobre a construção da nova ponte conseguiu-o através de trabalhadores que encontrou a tirar medidas na zona do bairro. “Informações não temos, é o que nós ouvimos pelas pessoas que andam aí a medir o terreno. (…) Acho uma estupidez não chegarem aqui e explicarem às pessoas. Nem uma carta ou qualquer coisa a avisar”, desabafa.
A moradora considera que o dia a dia das pessoas será afetado tanto a nível de barulho como da privacidade: “Vai passar por cima das nossas casas, onde nós estamos lá, diariamente, a dormir, a fazer tudo… Além do metro, acho que ainda é para as pessoas passarem a pé. Se quiserem, podem atirar coisas cá para baixo ou não, há sempre aquelas maldades”.
Isabel Cardoso sublinha que nada fará os moradores saírem das suas casas, onde alguns habitam há mais de 40 anos: “Não vamos mudar daqui por causa de uma ponte. Se não mudamos até agora, não é agora que nos vão fazer mudar”.
Maria Rosa Araújo tem uma opinião distinta dos restantes residentes. Quando abordada sobre a construção da nova ponte, sublinha o benefício que a travessia trará aos cidadãos, referindo não estar preocupada com o barulho: “agora nem tanto, mas antigamente ouvia-se muito o comboio”, compara.
Apesar de ser a favor da nova ponte, a residente teme por quem possa ficar sem casa ou se veja obrigado a abandonar o local. “É muito difícil ficar sem uma casa. Mesmo que deem uma indemnização, onde é que se consegue comprar agora uma casa? Eu não tenho hipótese, estas casas aqui são rendas económicas, são de moradores”, reflete.
“Vamos ter ali duas obras de arte, uma vai ser o gigante e outra vai ser o anão”
Não muito longe do bairro, mora António Melo, engenheiro que diz não compreender o engenho por detrás da nova ponte sobre o Douro. Uma ponte, de acordo com a descrição da Metro do Porto sobre a proposta vencedora, “com um pórtico com escoras inclinadas, suportada integralmente em betão e com um perfil longitudinal a uma altura ligeiramente superior à da Ponte da Arrábida, de modo a não constituir um obstáculo visual”. A travessia deve passar cerca de 50 a 60 metros ao lado de sua casa.
Para António Melo, os efeitos vão-se fazer notar, especialmente na altura das obras: “vamos ter ali uns pilares da ponte, junto ao prédio. Obviamente que isso vai introduzir vibrações no terreno que se vão refletir nas habitações”, considera. É uma preocupação que partilha com outros moradores da zona e que o levou a agir. António é um dos signatários do abaixo-assinado contra a construção da travessia.
Explica, contudo, que o problema não está na obra em si, apontando a “inserção da ponte na margem do Porto” como um dos grandes problemas. A própria Metro do Porto admite-o no comunicado em que anunciou a proposta vencedora ao dizer que “o enquadramento do edificado do lado do Porto obriga a um trabalho de detalhe técnico muito exigente, de modo a alcançar uma convivência harmoniosa de arquiteturas e funções nos espaços públicos do Pólo Universitário do Campo Alegre e em toda a envolvente”.
A ponte a desenvolver vai unir o Campo Alegre, no Porto, ao Candal, em Vila Nova de Gaia, sendo parte obrigatória de uma nova linha de Metro – a Linha Rubi – que ligará as estações da Casa da Música e de Santo Ovídio.
O engenheiro, com quem o JPN falou pelo telefone, não acredita que a escolha feita seja “razoável”, por esta ser uma “zona com uma forte densidade de construção”.
Outro dos pontos de crítica reside no facto de o rio Douro ser bastante largo na zona da ponte. Por isso mesmo, espera-se que “a dimensão da ponte [seja] brutal”, afetando o próprio estatuto e posição da vizinha Ponte da Arrábida. Para António Melo, “no futuro, vamos ter ali duas obras de arte, uma vai ser o gigante e outra vai ser o anão”, ameaçando “colocar num segundo plano a Ponte da Arrábida”, afirma.
Havia alternativas? Em declarações ao JPN, o engenheiro lembra que o Plano Diretor Municipal (PDM) tinha “o traçado do metro mais a jusante”, onde “o rio é bastante mais estreito” e a densidade de construção é reduzida. Para o engenheiro, não faz sentido não se ter avançado com essa opção.
Pisar a história dos Caminhos do Romântico
Nas casas que ladeiam as ruas históricas, estreitas e sinuosas dos Caminhos do Romântico, vivem várias pessoas, umas que esperavam sossego e sol no meio da cidade, outras porque, simplesmente, assim calhou. Por entre as colinas de pedra, encontra-se não só casas de habitação, mas também um alojamento local, onde a história e a beleza da zona fazem negócio.
A “Casa do Gólgota”, localizada na rua que dá nome ao empreendimento, ganha pontos turísticos ao oferecer aos seus hóspedes um jardim comum com uma vista panorâmica sobre o rio Douro e a Foz. A anterior casa de Hugo Meireles, atual gerente do alojamento local, foi dividida em sete unidades independentes e transformada num espaço de lazer.
Em entrevista ao JPN, Marcos Pinto da Silva, também gestor da Casa do Gólgota, não contesta a pertinência da futura ponte. Contudo, salienta que “o grande ativo” da casa, na exploração turística, é a vista que oferece aos clientes. Nas atuais condições, a construção da futura travessia acaba por desvalorizar o lugar: “o edifício tem um valor hoje, depois da construção da ponte poderá ter outro inferior”, afirma.
Marcos Pinto da Silva e Hugo Meireles revelaram que apenas foram contactados por uma empresa de Lisboa que planeava fazer uma avaliação sobre o impacto ambiental da construção da futura ponte. Porém, a empresa em questão pouco soube dizer quando questionada sobre os moldes em que a travessia vai ser construída. Tudo o resto, souberam através dos órgãos de comunicação social.
Marcos Pinto da Silva e Hugo Meireles consideram que, nesta altura, “já seria de esperar que a Câmara Municipal tivesse mandado uma circular aos donos dos lotes e aos residentes da área que é envolvida”. Ambos concordam que “é importante, numa obra destas, perceber o que é que poderá ser pensado para mitigar o impacto que [a futura ponte] tem aqui”.
Com os olhos nos potenciais impactos, Marcos Pintos da Silva menciona ainda que a ponte, ao ser pedonal, faz com que o lote do alojamento fique “totalmente devassado”, provocando um eventual desagrado por parte dos clientes. O empresário evidencia que “uma das coisas que as pessoas valorizam – e pagam para isso – é estarem totalmente em privado, ninguém olha aqui para dentro do lote”.
Apesar das incertezas e possíveis transtornos, Marcos Pinto da Silva e Hugo Meireles confessam que não pretendem mudar o local da Casa do Gólgota.
Cinquenta metros por baixo da futura ponte encontra-se a casa de John Graham. O empresário dos vinhos Churchill’s Port não se imagina a viver assim. É um dos que, movido por uma construção que o incomoda, tem planos para sair de casa: “se eles construírem uma ponte por cima de mim, aqui nesta área, eu não vou ficar aqui”.
Ao JPN, Graham explica por onde deverá passar a ponte, de acordo com as informações que tem. Ficará exatamente acima de uma árvore no seu jardim. O céu azul e o sol reluzente vão dar lugar à sombra da nova obra. O empresário de origem britânica suspira que a nova ponte “vai afetar a [sua] vida completamente”. Lamenta que a aposta seja feita no “betão armado”, naquela que “é uma das últimas zonas verdes viradas para o rio”.
Entre os problemas que adivinha está “não só o barulho”, mas também as “trepidações”. São razões que o levam a acreditar que o melhor mesmo é encontrar uma alternativa.
Afinal, para além do sossego caracterizador destes caminhos, aqui reina a verdura e a história, que remontam ao tempo da Inquisição. “Isto é uma zona de muita história”, assinala John Graham.
Contestação às normas do concurso
Também na Rua do Gólgota, um pouco abaixo de onde virá desaguar a nova ponte, moram Alberto e Mónica Baldaque, na casa onde viveu a mãe, a consagrada escritora Agustina Bessa-Luís [1922-2019], nos últimos 50 anos da sua vida. A ponte, nas atuais condições, é vista com suspeição pelos Baldaque. A família receia as consequências para a zona.
Numa palavra, consideram o concurso realizado como “desonesto”. Alberto Baldaque afirma convicto que a decisão do traçado foi dos autarcas que lideram os municípios visados pelo projeto: “o presidente da Câmara Municipal do Porto, sem ouvir a Câmara Municipal do Porto, nem a Assembleia [Municipal] nem a vereação, acordou com o presidente da Câmara de Gaia construir aqui uma ponte de metropolitano, que ligasse as duas margens”.
Em entrevista dada ao JPN, Alberto Baldaque classifica ainda como “fictício” o concurso de conceção da ponte por terem limitado as opções dos arquitetos no desenho da ponte através do “caderno prefixado”. Um dos maiores erros que os responsáveis poderiam ter feito, acredita: “agora, andam atrapalhados, à procura de alguém para coser a aterragem da ponte no lado do Porto”.
As críticas às normas do concurso foram também feitas por alguns concorrentes que avançaram mesmo com ações judiciais, como noticiou o jornal “Público” em novembro.
Para Mónica e Alberto Baldaque, a construção da ponte nos moldes oficialmente referidos “é um erro de palmatória”.
“Todo este processo é verdadeiramente vergonhoso”, considera Mónica Baldaque. A filha de Agustina, nome maior da literatura portuguesa, defende a construção de uma nova ponte que ligue Vila Nova de Gaia e a cidade do Porto. Apesar disso, coloca em causa os moldes em que esta será construída. “É preciso pensar nas pessoas que aqui estão, no desenho desta encosta. Nós vimos uma sugestão daquilo que devia ser a ponte e realmente é assustador. Entrar por aqui dentro é uma violência para com a paisagem e para com o que existe, que cá está, que tem equilíbrio e que tem sentido. E é uma zona da cidade que devia ser preservada”, sublinha.
Alberto e Mónica Baldaque consideram que o projeto revela certa “insanidade intelectual”. Acrescentam ainda que é destruído por completo o pensamento no espaço universitário: “Vai ter aqui muita gente que nada tem a ver com as universidades e não vai permitir um alargamento e um aumento da conceptualização do espaço universitário”.
Para Alberto Baldaque, a construção da ponte vai acabar, da mesma forma, por desvalorizar uma obra de Álvaro Siza Vieira: a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP).
Uma expansão em suspenso para um espaço sobrelotado
A 3 de março, a Metro do Porto confirmou a proposta vencedora, autoria de um consórcio liderado pelo gabinete Prof. Edgar Cardoso – que o JPN quis ouvir no âmbito desta reportagem, mas sem sucesso -, para a nova ponte no metropolitano. Já no início do concurso, que foi dividido em três fases, as faculdades do polo universitário do Campo Alegre mostraram o seu descontentamento quanto à localização da futura ponte sobre o Douro.
A FAUP planeava executar um projeto de expansão que já não poderá ter continuidade, devido à construção da travessia. Os edifícios da faculdade foram desenhados para receber 600 alunos, mas, atualmente, a instituição tem cerca de mil estudantes. O projeto de expansão visava a construção de mais dois edifícios para salas de aulas e laboratórios de investigação.
Numa entrevista ao JPN, a vice-diretora da FAUP, Teresa Calix, confirma que o projeto ainda não tinha data definida. Contudo, apesar de ser recente, a proposta já tinha sido discutida com a Câmara Municipal do Porto. O objetivo era combater a “sobrelotação dos espaços” da faculdade. Teresa Calix acrescenta que o polo universitário do Campo Alegre tem vários problemas urbanísticos e que a travessia vai acabar por os exacerbar.
A vice-diretora da Faculdade de Arquitetura da UP ressalta que a instituição não se opõe à ligação do polo universitário a Gaia com uma nova linha de metro, salientando que é “absolutamente determinante e efetivamente fundamental”. Porém, afirma que durante o processo dos concursos, deveriam ter estado em aberto outras opções para a edificação da futura travessia sobre o Douro: “há aqui uma outra questão que se podia discutir que é se precisamos da ponte ou se o metro poderia estar, por exemplo, na ponte da Arrábida, mas ultrapassando essa dúvida, a questão da ligação, sem dúvida, é fundamental”.
Quando questionada sobre a possível alteração do projeto, Teresa Calix afirma, com certeza, que neste momento é “muito difícil que a ponte seja executada de outra forma que não a prevista”.
A Metro do Porto, em comunicado, afirmou que ia “trabalhar em estreita cooperação com as Câmaras Municipais do Porto e de Vila Nova de Gaia e com todas as partes envolvidas – designadamente a Faculdade de Arquitetura e a Reitoria da Universidade do Porto”. No entanto, na altura em que falou com o JPN, a vice-diretora reforçou que a faculdade ainda não tinha sido contactada pela Metro nem por qualquer entidade competente no projeto e a situação não se alterou até finais de abril.
Numa resposta escrita enviada ao JPN, a Metro do Porto assinala apenas estar a “articular uma série de questões com várias entidades”.
Sem contactos e com muito por definir, o Porto espera uma nova ponte, que gera para já muitos receios e dúvidas na população que será mais diretamente afetada. Com conclusão prevista para 2025, por causa das limitações implicadas nos fundos europeus – a ponte será financiada integralmente e a fundo perdido por verbas inscritas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) -, poucos sabem realmente o que vem aí.
Artigo editado por Filipa Silva e Tiago Serra Cunha
Este artigo integra uma série de conteúdos planeados no âmbito da atividade Editor por um Dia, este ano a cargo da jornalista Mariana Correia Pinto, do jornal “Público”.