[Crítica] "Barbie" é o mais recente filme da realizadora Greta Gerwig e há muito que as pessoas esperavam por ele. Estreou quinta-feira (20) nos cinemas portugueses e aborda, com mestria, as exigências, tantas vezes contraditórias, impostas às mulheres.
Chegaram na quinta-feira às salas de cinema portuguesas duas das longas-metragens mais aguardadas do ano: a grande produção do realizador Christopher Nolan “Oppenheimer” e “Barbie”, a primeira live-action cinematográfica da boneca mais famosa do mundo.
Na Barbieland, o mundo criado pela Mattel (fábrica original da boneca Barbie), o rosa é rei – a cor dominou também as salas de cinema no dia da estreia – e é nesse universo que vivem as Barbies com os seus acessórios mais conhecidos: as roupas e os Kens.
Ali, as mulheres são aquilo para que foram criadas, apesar do lema da companhia: “Podes ser aquilo que quiseres.” Pelo menos na aparência, são elas que governam o mundo, enquanto os Kens não possuem identidade própria e se resumem às suas namoradas.
Nesta produção, a adorada Greta Gerwig (que realizou outros filmes de excelência como “Little Women” e “Lady Bird”) é rápida a demonstrar que vem por ali uma lição de feminismo, temática, aliás, recorrente na cinematografia da realizadora.
Margot Robbie [conhecida por filmes como “Suicede Squad”, “I, Tonya” ou “The Wolf of Wall Street”] dá vida à Barbie Estereotipada, a Barbie perfeita, com tudo no sítio, sem profissão conhecida, que se limita a adormecer bonita e a acordar ainda mais. Já Ryan Gosling, que, ao contrário da colega com quem contracena não parece a escolha mais óbvia para o papel, desempenha de forma sublime a sua representação como Ken, mais concretamente o Ken da praia.
A trama começa por mostrar aos espectadores o quão boa e perfeita é a vida para as Barbies na Barbieland e como elas acham que tornaram o mundo perfeito para todas as mulheres.. É neste contexto que a protagonista Margot Robbie, no papel do modelo mais conhecido da Barbie, começa a experienciar algumas situações incomuns: a vida deixa de ser perfeita para ela, o que faz com que se comece a sentir menos bonita e, consequentemente, defeituosa.
A Barbie parte, então, na sua busca pelo o mundo real, para encontrar a menina que anda a brincar com a sua boneca e, de certa forma, a “estragá-la”. A Barbie está convencida que só através do contacto entre as duas é que tudo pode voltar ao normal. E quem melhor para se juntar nesta aventura senão o Ken?
Balançando entre a Barbieland, um pretenso mundo ideal para as mulheres, e o mundo real, um mundo patriarcal, temos presente no filme uma quantidade generosa de temas problemáticos que, apesar de já estarem na ordem do dia, nunca são demais de explorar.
Nas cenas que tomam lugar no mundo da Barbie, vários aspetos ajudam a reforçar a ideia de que estamos nesse mundo imaginário. São exemplos disso o modo de andar da protagonista, sempre em bicos de pés, como a boneca que, mesmo sem saltos calçados, mantém os pés inclinados; ou a deslocação no ar, entre a casa e o carro, como se estivesse a ser manietada pelas mãos de uma criança.
Referências facilmente identificáveis para uma geração cuja infância foi marcada por estes brinquedos, e que concedem à ação um contraste entre aquilo que é o mundo da Barbie e o mundo real.
O filme alude à necessidade de um mundo mais igualitário, ainda que abraçando as individualidades de cada um. Enquanto a Barbie luta por manter a sua aparência perfeita, uma vez que acha que essa é a única que a distingue das restantes bonecas, já que não tem uma profissão, o Ken deslumbra-se com o poder masculino com que se depara no mundo real. Do mesmo modo, se as pessoas dão atenção a Ken, de forma respeitosa, por ser um homem, a Barbie sofre com os horrores de ser mulher num mundo que não parece ter sido feito para elas, e onde é vítima de assédio.
Além da dupla de protagonistas que assenta como uma luva no elenco, Barbie beneficia ainda de um argumento cómico, capaz de deixar uma sala de cinema inteira às gargalhadas, sem impedir que os espectadores usufruam de um momento reflexivo.
Em relação ao elenco, é de notar o lote de bons nomes e de boas representações para lá dos protagonistas, caso da atriz America Ferrera, no papel de Gloria, que arrasa com o seu discurso sobre como é ser mulher. Destaca-se ainda a excêntrica Kate McKinnon, a Barbie Esquisita, que extrai sempre risos a qualquer um que a veja.
Já a banda sonora, apesar de não ser um elemento que carregue a fita às costas, tem faixas que cumprem o propósito de exponenciar as emoções dos espectadores, contando com temas de artistas como Dua Lipa, Lizzo, Billie Eilish e até do ator Ryan Gosling, com uma música que fica no ouvido e uma cena musical que dará que falar nos próximos tempos.
O que também não passa despercebido é o magnífico guarda-roupa que torna Margot Robbie mais Barbie que nunca e que nos deixa alguma nostalgia pela infância.
Já para os mais cinéfilos, temos presentes no filme referências da sétima arte que concedem à película um caráter mais humorístico, como acontece na primeira cena, que é uma réplica de um dos maiores clássicos do cinema, “2001 – Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, assim como a cena que faz referência à chegada de Dorothy ao mundo mágico, em “O Feiticeiro de Oz”.
A maior lição que podemos retirar desta longa-metragem é, sem dúvida, que as coisas que nós criamos, fruto da nossa imaginação, são um escape à nossa realidade defeituosa. Inscreve-se ainda numa lista, seguramente curta, de filmes em que observamos um homem a servir de acessório a uma mulher.
O propósito da Barbie, a boneca, sempre foi incentivar as “pequenas mulherzinhas” a serem aquilo que quiserem ser, mas no mundo real, no mundo onde vivemos, aquilo que queremos ser está limitado ao que nos é permitido.
Esta é uma trama que espelha o sentimento diário de muitas mulheres à volta do mundo – “Ser mulher é impossível”, diz a certa altura Gloria -, perante as imposições, muitas vezes contraditórias, que lhes são colocadas. Com um guião focado na emancipação e empoderamento femininos, o filme não esquece, porém, os homens e os seus problemas, deixando-os com uma mensagem bastante reconfortante.
Um filme para todos, que, ao mesmo tempo que mostra a sua veia humorística – claramente com o objetivo de reforçar a crítica presente no desenrolar de toda a ação -, tem o poder de nos proporcionar um aperto no coração e de o deixar também um pouco mais quente e amolecido.
Editado por Filipa Silva