"Em Pessoa" junta a palavra à música e a Fernando Pessoa. Ao JPN, Sofia Teixeira, responsável pela conceção artística, revelou que o objetivo é "a integração das pessoas" com afasia. Paula Valente, diretora do IPA, acredita que o projeto está "a potenciar a recuperação das pessoas com afasia que participaram”.

O espetáculo "dá voz" à afasia, ao aliar a palavra, a música e Fernando Pessoa.

O espetáculo “dá voz” à afasia, ao aliar a palavra à música e a Fernando Pessoa. Foto: Instituto Português da Afasia/DR

A Casa da Música vai receber às 19h00 horas desta quarta-feira (27) a apresentação final do espetáculo “Em Pessoa”, integrado no Festival “Ao Alcance de Todos”. O projeto é promovido pelo Instituto Português da Afasia (IPA) e pelo Serviço Educativo da Casa da Música.

Em entrevista ao JPN, Sofia Teixeira, responsável pela conceção artística, esclareceu que a ideia de “dar voz” à afasia surgiu, porque “a nível nacional, o tipo de acompanhamento que se dá a pessoas com afasia não é muito eficaz” e, por isso, “fez sentido, neste preciso momento, criar um espetáculo com este grupo”. 

“Imaginemos que Fernando Pessoa sofria de afasia, um distúrbio caracterizado pela perda parcial ou total da capacidade de expressar ou compreender a palavra falada e escrita. A linguagem estrutura-nos a todos, por isso, inspirados em Pessoa, vamos desbravar palavras e mensagens, num espetáculo que mostra a importância e a felicidade de recuperarmos a comunicação perdida”.

Sofia Teixeira destacou ainda que a relação com Fernando Pessoa deve-se “desde logo, por nos remeter para uma ligação com as palavras”. Isto, tendo em conta que “o grande desafio da afasia é a relação com as palavras”. Além disso, o facto de “ser um autor canónico” também foi determinante na escolha do poeta.

“Em Pessoa”, vai “percorrer uma viagem”, que acompanha as várias sessões onde este grupo, com aproximadamente vinte pessoas, foi descobrindo “a obra de Pessoa, dentro daquilo que são as limitações das relações destas pessoas com as palavras”. 

O espetáculo, que alia a palavra à música e a Fernando Pessoa, foi trabalhado durante três meses entre uma equipa de formadoras da Casa da Música – Inês Luzio e Sofia Teixeira – e um conjunto de pessoas com afasia, cuidadores, profissionais e amigos voluntários do IPA que vão estar em palco.

A cada semana foram apresentados “textos e problemáticas pessoanas, para trabalhar com o grupo, sempre numa ideia de musicar as palavras”. Além disso, houve uma tentativa de “percorrer os heterónimos”, visto que “o facto de Pessoa ter explorado várias poéticas e várias formas de expressão sobre a forma de heterónimos, remete para uma hierarquia comunicativa que se estabelece quando há uma pessoa com afasia na comunicação”, destacou.  

A responsável pela conceção artística revelou ainda que o “principal objetivo” do projeto, que acarreta também “uma boa componente de diversão”, é “a integração das pessoas e proporcionar momentos criativos em que, através de determinados estímulos, as pessoas possam ter voz e uma ação direta na musicologia que está a ser construída”, já que “a música é de toda a gente”

Ao JPN, Sofia Teixeira afirmou que “sentir as pessoas verdadeiramente ligadas com o que se estava a fazer e verdadeiramente felizes no fim das sessões que aconteceram sempre às sextas-feiras” foi “um dos maiores patamares alcançados”. 

Afasia afeta “mais de 40 mil portugueses em Portugal e ninguém conhece”

Paula Valente, diretora do IPA, declarou ao JPN que este espetáculo traz “a esperança” de “tornar a afasia mais conhecida do público em geral”, através de “parcerias com entidades reconhecidas, como é o caso da Casa da Música e o seu serviço educativo”. Isto porque “esta perturbação afeta mais de 40 mil portugueses em Portugal e ninguém conhece”, acrescentou.

Para a diretora do IPA, projetos como o “Em Pessoa” são “oportunidades que reduzem o isolamento social, melhoram o bem-estar físico, emocional e social e promovem a confiança, a aceitação e capacidades novas” a pessoas que, “muitas vezes, após um AVC ou uma lesão cerebral, se veem diminuídas ou limitadas”.

Paula Valente destacou ainda que “a afasia, como um problema de comunicação e de linguagem, beneficia muito da música”, porque “o ato de cantar, neurologicamente, permite, muitas vezes, uma melhor comunicação por palavras”. Este projeto está também, segundo Paula Valente, “a potenciar a recuperação das pessoas com afasia que participaram” e a “reforçar a importância da música e do canto” neste aspeto.

Editado por Inês Pinto Pereira