No Trindade, no Porto, já não há só bingo. Um mês depois da reabertura do cinema, o JPN foi conhecer pessoas que passaram pelo novo espaço da baixa e os filmes que viram.

O Cinema Trindade, na baixa portuense, ganhou uma nova vida 17 anos depois do último encerramento. O então Salão Jardim da Trindade foi inaugurado no dia 14 de junho de 1913, com uma sala de espetáculos, salão de festas, café com bilhares e ainda um terraço. Uma nova intervenção, em 1992, subdividiu o Trindade na sala de bingo que ainda funciona e em dois cinemas-estúdio. As duas salas não conseguiram vingar no espaço cultural portuense e encerraram a 31 de dezembro de 2000. Desde então o Cinema Trindade só abriu as portas a eventos esporádicos, como o ciclo de cinema documental com que o Bloco de Esquerda assinalou os 40 anos do 25 de Abril, em 2014.

Mas a quarta abertura do Trindade adivinhava-se em grande. Américo Santos, fundador da distribuidora Nitrato Filmes, passou os últimos anos a fechar acordos com a Empresa do Cinema Trindade e com a Câmara do Porto, para que hoje os habitantes e estudantes do Porto possam ver na baixa filmes como “São Jorge” ou “Aquarius”, mas também “Moonlight” ou “O Vendedor”. O JPN foi conhecer o novo fôlego que desde fevereiro trouxe milhares de pessoas ao Trindade e descobrir quantos bilhetes se vendem, quem os compra, e que filmes escolhe o público do Porto.

Depois de mais uma longa pausa, o Cinema Trindade esperou pelo dia 5 de fevereiro de 2017 para reabrir como um espaço diferenciador da Sétima Arte na Invicta. Com duas salas com programações distintas, há exibições diárias para ver desde o dia 16 do mês passado. Numa das salas, o acompanhar do roteiro cinematográfico do país, com a exibição de filmes em estreia; a segunda está destinada a uma programação paralela, com ciclos, mostras e o acolhimento de programas específicos.

Quem vai ao Trindade?

Ao cimo das escadas icónicas que, nos últimos 17 anos, só tinham saída para a direita, agora viramos à esquerda e encontramos a porta, aberta, do Cinema Trindade. Numa mesa à entrada que tem servido de bilheteira encontramos Joana Mesquita Alves, produtora, a vender os poucos ingressos que saem para as matinés de segunda-feira. Explica que as sessões da tarde “contrastam, por exemplo, com a sessão das 19h30, que todos os dias tem imenso sucesso”. É à noite e ao fim de semana que este cinema da baixa tem mais afluência.

Joana tem dificuldades em definir “um só público” para o Trindade. Muito abrangente, Joana Alves situa a maioria da audiência “entre os 20 e os 50 anos”. Para além “das pessoas de idade que vivem no Grande Porto e que voltam agora ao Trindade depois de terem sido espectadoras assíduas há 20 ou 30 anos”, a produtora identifica também novos públicos. “Também compram bilhetes estrangeiros residentes no Porto, especialmente brasileiros, e estudantes de Erasmus.”, enumera.

Mais de um mês antes da aguardada abertura do Trindade, abrem as vendas do Tripass (trocadilho com as “tripas” bem portuenses). Este passe de acesso ao circuito de cinema do Porto foi posto à venda no primeiro dia de 2017 como um incentivo aos portuenses para optarem pelas salas independentes de cinema na Baixa da cidade. É um triângulo de plástico que cabe na palma da mão (com furos para quem quiser guardá-lo no porta-chaves, por exemplo), custa 10 euros por ano e dá um bilhete grátis e 25% de desconto em todos os restantes. O Tripass pode ser utilizado nas sessões de cinema do Trindade, do Rivoli, do Teatro Campo Alegre e ainda do Passos Manuel – o único espaço destes quatro que não vende o cartão.

Maria Luísa e Balsamina são duas amigas que vinham com frequência ao Trindade, “há muitos, muitos anos atrás”. Encontramo-las na sessão das 15h15 de “Moonlight” e, dez minutos antes de começar, são as únicas pessoas na sala. «Vi aqui o “E Tudo o Vento Levou”, por exemplo. Depois de fecharem os cinemas na baixa, fomos vendo filmes no shopping, mas não é a mesma coisa», conta Maria Luísa, de 64 anos.

Lourenço Malcatanho tem 22 anos e estuda Cinema e Audiovisual na Escola Superior Artística do Porto (ESAP). No passado domingo teve a sua primeira oportunidade de ir ao Trindade e agrada-lhe a diferenciação na programação do cinema na baixa, quando comparado com as salas multiplex do resto da cidade: “Apesar de não gostar de usar o termo “cinema de autor”, porque discrimina, a verdade é que tu olhas para o programa semanalmente e vês que o Trindade vem trazer muito isso”.

Enquanto estudante de Cinema, Lourenço considera que “faz a diferença” ter espaços como o Trindade no Porto: “É importante porque vês aqui filmes que rodam pelos maiores festivais internacionais e que, normalmente, ou não chegam a Portugal, ou quando são distribuídos nas salas comerciais são-no por pouco tempo. Para além de que estás a ver estes filmes num sítio com condições, com um bom sistema de som, com um bom projetor. É uma casa de cinema.”

O primeiro mês do novo Cinema Trindade 

Falemos de números. Joana Mesquita Alves aponta para “alguns milhares” as pessoas que já passaram pelas duas salas do Trindade neste mês de abertura. Quanto à venda dos Tripass, consegue ser mais específica. Verifica a folha de registo e diz assertivamente que, até dia 13 de março, “venderam-se 723 Tripass”, só no Trindade.

O Cinema Trindade tem dez sessões por dia, cinco em cada sala, durante os sete dias da semana. As salas têm 183 e 168 lugares, o que agrada a várias pessoas, que preferem estas salas às dos centros comerciais, por serem mais aconchegantes e menos impessoais.
Maria Luísa e Balsamina relembram a “sala antiga do Trindade, que tinha os balcões e a plateia, toda aquela hierarquia que estas agora não têm”, mas ao comparar as atuais salas do Trindade com as salas comerciais, agradecem “as cadeiras confortáveis e o sistema de som, que é melhor”.

Em cartaz

“São Jorge”, de Marco Martins, deu o prémio de Melhor Ator (Horizonte) a Nuno Lopes no Festival de Veneza e tem sessões às 15h10, 17h20, 19h30, 21h35 e 23h35. Especial atenção para a sessão das 21h35 de sexta-feira, dia 17, que terá a presença de Marco Martins e Nuno Lopes.

“Moonlight”, de Barry Jenkins, vencedor de três óscares no passado dia 26 de fevereiro, incluindo o prémio da Academia para Melhor Filme, tem sessões às 15h15 e às 23h35.

“O Vendedor”, do iraniano Asghar Farhadi, vencedor do Óscar de 2017 para Melhor Filme Estrangeiro, está até amanhã em exibição às 19h20.

“T2: Trainspotting”, de Danny Boyle, atravessa a que se avizinha ser a sua última semana no Cinema Trindade, com sessões às 17h15 e às 21h30.

O “novo” Cinema Trindade abriu as portas dia 5 de fevereiro com a antestreia de “Ornamento e Crime”, de Rodrigo Areias, realizador e produtor do Norte. Joana lembra que o público não parava de chegar e o cinema teve de abrir as duas salas para exibição simultânea.

Nessa noite, o JPN falou com Rodrigo Areias sobre a abertura do cinema e da sua importância para a dinamização cinematográfica do Norte do país. “É uma ótima notícia saber que é um filme meu que inaugura o Cinema Trindade. A verdade é que adiamos a estreia comercial do filme porque eu queria mesmo estreá-lo cá.” Areias é dono da produtora Bando à Parte, que fundou em 2009, e diz que a abertura do Trindade influenciou o percurso de vários filmes da produtora: “Esperamos pela abertura do cinema para estrear vários filmes para o nosso público, o do Porto e que não é propriamente o público dos multiplex”. Questionado sobre a sua crença pessoal em projetos de cinema independente como o Trindade, o produtor prevê que “só estes projetos vingarão, os cinemas comerciais já estão em modo de autodestruição. E o Porto claramente precisa deste tipo de projetos, e de produzir mais, criar mais, realizar mais.”

Que filmes podemos ver no Trindade?

Américo Santos é quem faz a programação das salas e de modo a encontrar um equilíbrio entre cinema de autor e o que se espera de uma sala comercial. “Tentamos sobretudo não nos limitar ao circuito independente nem ao comercial, mas sim encontrar um meio termo”, afirma Joana Mesquita Alves. O certo é que, para além desse espectro, ao Trindade chegam ainda reposições de filmes que já tivemos oportunidade de ver em salas comerciais ou independentes.

Para além dos filmes que “são óbvios, ou porque são estreias ou porque são pertinentes por causa dos seus temas”, diz Joana Alves, o Trindade ainda toma a liberdade de trazer ao público filmes que, mesmo que já tenham estado em exibição no Porto, merecem mais tempo na tela, e mais público. Na semana passada, o Trindade trouxe novamente às salas “Eu, Daniel Blake”, de Ken Loach e vencedor este ano da Palma de Ouro em Cannes, e “Via Láctea” do realizador e músico sérvio Emir Kusturica.

“Aquarius” do realizador brasileiro Kleber Mendonça Filho, ficou apenas a 20 lugares de encher a sala número 1, de 183 cadeiras. O público era diverso, de idade indefinida.  A antestreia em Portugal trouxe o realizador para uma conversa informal com o público, graças às ligações estreitas de Américo Santos com o Brasil, já que a Nitrato Filmes organiza o Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira.

Lourenço esteve presente e sentiu-se privilegiado porque reconhece que não é norma realizadores do calibre de Kleber apresentarem os seus filmes ao público e em Portugal: “Quando existem estas sessões com os realizadores, nos festivais, por exemplo, o tempo está sempre muito marcado e nunca acontecem assim num registo tão informal”. O realizador Kleber Mendonça Filho viajou do Brasil para o Porto para falar com o público do Trindade, durante mais de uma hora. “O Kleber referiu várias vezes que fez um esforço especial para apresentar o seu filme no Cinema Trindade para poder assistir ao nascimento de uma nova casa do cinema, onde se celebrou e debateu o cinema em grupo. E foi um momento muito bonito ver o público a discutir com o realizador, não só o filme e os processos por detrás dele, mas vários temas em redor da situação política brasileira, por exemplo”, conta o estudante da ESAP.

O Cinema Trindade “tem superado as expectativas” no que à adesão dos portuenses diz respeito, sublinhou Joana Mesquita Alves, que teve de interromper a conversa com o JPN para vender mais um bilhete. Na programação desta semana, vigente até quarta feira, ainda é possível ver “T2-Trainspotting” ou “Moonlight”. Na sexta feira, dia 17, “São Jorge” é apresentado ao público no Trindade com a presença do realizador Marco Martins e do ator Nuno Lopes.

Artigo editado por Filipa Silva