O último apelo à dádiva de sangue do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) ficou marcado por uma grande mobilização de dadores até aos centros de colheita, mas ficou também marcado pela vinda a público de várias denúncias de episódios de discriminação a homens homo e bissexuais pela sua orientação sexual no acesso à doação de sangue.
Esta segunda-feira (1), em vésperas da audição no Parlamento ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) e da Direção-Geral da Saúde (DGS), o Governo determinou a constituição de um grupo de trabalho que deverá rever, no prazo de uma semana, a Norma n.º 009/2016 da DGS que define os critérios de inclusão e exclusão de dadores de sangue por comportamento sexual.
A decisão do secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, surge na sequência da conclusão e apresentação pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) do estudo “Comportamento de risco com impacte na segurança do sangue e na gestão de dadores: critérios de inclusão e exclusão de dadores por comportamento sexual”, trabalho que foi entregue ao Ministério da Saúde e não é público.
O grupo criado pelo Governo é constituído por representantes da DGS e IPST e, a título consultivo, por entidades da sociedade civil, cooptadas pelos integrantes do Grupo de Trabalho. O gabinete de Lacerda Sales referiu em comunicado que o grupo “terá uma semana para a análise do estudo e respetiva alteração da norma em conformidade”.
IPST tem três inquéritos abertos por causa de práticas discriminatórias na doação de sangue
Na audição conjunta da Comissão da Saúde e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, desta terça-feira (2), Maria Antónia Escoval, presidente do Conselho Diretivo do IPST, garantiu que a instituição tem-se “debatido arduamente pela clarificação desta situação” para que “não haja dúvidas para nenhum cidadão que se apresenta para realizar a sua dádiva de sangue em relação a quais são os critérios de elegibilidade”.
Ainda para garantir que “não reste nenhuma dúvida em relação a estas situações”, Maria Antónia Escoval informa que foram abertos processos de inquérito a três profissionais. Neste momento, os visados “já foram ouvidos” e o instituto aguarda o relatório final.
Questionada sobre o assunto, a presidente do IPST concorda que é “extraordinariamente importante para os profissionais da instituição, para a população em geral e para os dadores de sangue” que haja um reforço da informação e da formação sobre esta matéria e garante que, finda esta situação, irá entrar em contacto com todas as instituições envolvidas nas denúncias – como é o caso da ILGA Portugal – para que o IPST possa “chegar mais perto a estes candidatos a dadores”.
No que diz respeito à norma de 2016 – que compreende uma suspensão de 12 meses desde o último contacto sexual de risco – Maria Antónia Escoval compreende que já “passou muito tempo entre 2016 e 2021” e que o “mundo mudou nestes cinco anos”. Espera, por isso, que o estudo realizado pelo INSA (que levou à constituição do Grupo de Trabalho), permita “alterar esta norma” conforme “a avaliação do risco e com o estado da arte nomeadamente nos outros países europeus”.
É preciso “uniformidade de critérios”
Ouvido na mesma audição, Válter Fonseca, diretor do Departamento da Qualidade na Saúde da DGS, garante que a redação da norma de 2016 adotou uma “lógica de comportamentos de risco, não de grupos de risco”. Apesar de haver evidências para “alguns comportamentos estarem associados a maior risco”, isto é apenas uma questão de comportamentos, “não de orientação sexual”.
O professor explica que o Governo constituiu um Grupo de Trabalho para que, depois da análise do estudo do INSA, este seja capaz de perceber se foi verificada “alguma questão na existência de diagnósticos de agentes infeciosos transmissíveis pelo sangue anteriormente à normal” e capaz de analisar aquilo que são “práticas internacionais e as projeções de risco relativamente a vários períodos de suspensão temporária nomeadamente 12, 6 e 3 meses”.
Válter Fonseca garante que o grupo tem “os dados necessários, porque nos rodeamos por um conjunto vasto de peritos de diferentes áreas que suportam grande parte das decisões da DGS” e acredita que este “será capaz de clarificar e atualizar com a melhor evidência cientifica esta norma e as normas conexas”.
As situações denunciadas, demonstram haver uma necessidade de procurar uma uniformidade de critérios: “Garantir qualidade na prestação de cuidados de saúde é, naturalmente, ter uniformidade de aplicação de critérios, sem prejuízo de uma avaliação caso a caso quando é necessária”, afirma.
O responsável não deixa de explicar que é necessário “não centrar a discussão da orientação sexual e sim nos comportamentos” e que o mais importante é ter “capacidade de despiste para que tudo possa ser feito em segurança”.
Artigo editado por Filipa Silva