A Comissão de Assuntos Jurídicos (JURI) do Parlamento Europeu aprovou no dia 23 de fevereiro moções que recomendam a suspensão da imunidade de Carles Puigdemont (que presidiu ao governo regional catalão entre 2016 e 2017), Toni Comín (ex-conselheiro do governo catalão para a Saúde) e Clara Ponsatí (ex-conselheira para a Educação). As três figuras foram acusadas em território espanhol de sedição, rebelião e peculato, ou seja, de apropriação de bens públicos para fins ilegais, concretamente a organização do referendo à independência da Catalunha do dia 1 de outubro de 2017.
O documento foi aprovado por 15 dos 25 eurodeputados que constituem a respetiva Comissão, sendo ainda apurados oito votos contra e duas abstenções. A decisão de sugerir a retirada da imunidade parlamentar aos legisladores catalães teve por base um relatório apresentado pelo eurodeputado búlgaro Angel Dzhambazki, pertencente ao Grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, no qual está incluído o partido de extrema-direita espanhol, Vox.
Em entrevista concedida ao JPN, Manuel Loff, Professor Associado e investigador do Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), defende que a votação refletiu, de forma nítida, a composição do Comité encarregue do processo.
Onda de insatisfação
O veredito provocou reações por parte dos referidos eurodeputados, que condenaram duramente a resolução. Carles Puigdemont afirmou, numa conferência de imprensa realizada em Bruxelas, local onde estabeleceu residência depois de sair de Espanha na sequência da declaração unilateral de independência da Catalunha, que o procedimento não foi imparcial.
Na visão do ex-presidente da Generalitat “há uma representação exagerada de eurodeputados espanhóis na Comissão dos Assuntos Jurídicos”, considerando vergonhoso “que se façam julgamentos políticos na imprensa espanhola de direita e de extrema-direita para tentar pressionar a opinião dos eurodeputados de outras famílias políticas”.
Paralelamente, Manuel Loff, acrescentou que o facto de o deputado que presidiu a Comissão responsável por votar a retirada da imunidade parlamentar aos legisladores catalães ser deputado do partido Ciudadanos contribuiu para aumentar o ambiente de crispação que se fez sentir.
Puigdemont teceu ainda várias críticas aos partidos constitucionalistas de Espanha, referindo que houve uma reação generalizada de “satisfação” perante a recomendação e denunciando a existência de um “objetivo político, sem fissuras, partilhado desde o PSOE até ao fascismo do Vox” para que os três legisladores “vão parar à prisão”.
O caso será submetido à votação dos eurodeputados na sessão plenária do Parlamento Europeu, com início esta segunda-feira e com duração prevista até esta quinta-feira. Caso a maioria dos 706 eurodeputados representados no Parlamento Europeu aceite a recomendação da Comissão dos Assuntos Jurídicos, os três eurodeputados catalães não serão, ainda assim, automaticamente detidos ou reconduzidos a Espanha.
Sem o bastião da imunidade parlamentar, os três eurodeputados vêm aumentadas as possibilidades de extradição. Contudo, a palavra final ficará nas mãos da Justiça Belga no caso de Puigdemont e Comín e da Justiça Escocesa relativamente a Ponsatí (uma vez que estabeleceu residência em Edimburgo), que ficarão responsáveis por deliberar quanto à reativação dos mandados de captura europeus orquestrados pelo Tribunal Supremo de Espanha.
De recordar que, no início de janeiro, o Tribunal de Recurso de Bruxelas recusou o pedido da justiça espanhola no caso do ex-ministro da Cultura da Catalunha, Lluís Puig, também exilado na Bélgica. Nesse sentido, Carles Puigdemont anunciou que “vão ser usados todos os recursos”, incluindo a apresentação do caso ao Tribunal de Justiça da União Europeia, de forma a garantir os interesses de quem votou nos três políticos catalães.
“Uma luta de desgaste”
Na visão do historiador Manuel Loff é natural “que o hemiciclo replique, mais ou menos a votação da Comissão, dado vez que todas as Comissões Parlamentares têm uma representação proporcional aos Grupos que estão representados no Parlamento de que as Comissões fazem parte”. Porém, prevê um impasse quanto à reativação dos mandatos de captura europeus por Puigdemont, Ponsatí e Comín devido a desacordos na acusação por parte da justiça das respetivas nações.
Enquanto que Espanha se mantém inflexível e pretende extraditar os legisladores catalães, acusando-os de três crimes – sedição, rebelião e peculato – tanto a justiça belga, escocesa como alemã apenas reconhecem a legitimidade desta última e não reconhecem nos seus Códigos Penais os restantes crimes. Segundo o Professor e investigador do Departamento de História da Faculdade de Letras da U.Porto (FLUP), se a relutância espanhola se mantiver e se não se verificar alteração da acusação estaremos perante “uma luta de desgaste, na qual Espanha terá uma batata quente nas mãos”.
Perante a incerteza em redor deste caso, concretamente na imunidade parlamentar dos três legisladores catalães, resta aguardar os resultados da votação que ocorrerá no Parlamento Europeu e que promete, certamente, aquecer as hostes do respetivo hemiciclo.
Artigo editado por João Malheiro