São pais numa idade em que é cada vez menos comum ter-se um filho: a adultez emergente. Na fronteira entre a adultez e a adolescência estas duas famílias assumiram o compromisso e a responsabilidade de formar família.
Mariana, Afonso e Matilde
Mariana tem 23 anos e Afonso 24. Conheceram-se no primeiro ano de Ciências da Comunicação no Instituto Superior da Maia (ISMAI), onde estudavam. Ainda não “juntaram os trapos” por causa de todos os “processos burocráticos”, mas já têm um lar. Mariana trabalha no apoio ao cliente num shopping e, ao mesmo tempo, está a tirar mestrado.
Afonso é lojista, no entanto, pretende voltar a ingressar na faculdade ainda este ano letivo.
Os dois esperam Matilde que, dentro da barriga de Mariana, já dá pontapés. Descobriram à sexta semana de gestação que iriam ser pais entre setembro e outubro. A maternidade sempre foi um sonho de Mariana e sempre esteve nos planos de Afonso. A notícia de que em breve seriam três foi recebida com êxtase quer pelas famílias, quer pelos amigos, que têm ajudado o casal. A mãe de Mariana, por também ter sido mãe nova (com 21 anos), tem acalmado o casal. “Dá-nos aquele alento, do género: ‘vai correr tudo bem e as pessoas estão aqui, vai ser um momento muito bom’”, afirma a jovem.
Estão noivos há um ano, desde que Afonso pediu Mariana em casamento no aniversário dela. Mas não sentem que a troca de alianças venha a acrescentar algo ao que já têm construído. “Acho que o casamento é uma formalidade, mas aquilo que nós criamos juntos é que é realmente importante”, diz Afonso. Mariana concorda: “É uma cerimónia bonita, que nós queremos ter perante a nossa família. Não muda nada o que já tínhamos.”
Ainda não viram Matilde, mas já têm os braços prontos para a abraçar. O nascimento está previsto para a altura de publicação desta reportagem.
Ana Rita, Hélder e Bruno
Como uma grande parte das relações nascidas no meio da evolução tecnológica, Ana Rita, de 22 anos, e Hélder, de 25, conheceram-se através do Facebook. O casal oficializou o namoro em 2017 e decidiram dar o laço há cerca de dois anos. Na altura, Ana Rita já estava grávida do primeiro filho, Bruno. Hoje, estão a planear ter mais um.
Foi Ana Rita quem decidiu dar o primeiro passo. Na altura, não teve o consentimento dos pais para continuar o namoro: “Fugi para a casa dos meus sogros. Depois, por causa dos meus irmãos e da minha mãe, voltei”, conta.
Um ano e meio depois do início da relação, os jovens decidiram partilhar o mesmo teto. Hélder assegura que foi a história do casal e “talvez o passado que ajudou na enorme decisão”. É em Gondomar, num prédio partilhado com a família materna, que o casal inicia a sua vida conjunta. O começo desta aventura foi marcado por pequenos tormentos e a mudança do casal para debaixo do mesmo teto deu faíscas, numa primeira fase de habituação.
Tal como o pedido de namoro, também foi Ana Rita que pediu Hélder em casamento. Apesar da cerimónia na igreja, ambos acreditam que ela nada trouxe de novo à relação. Ana Rita, na altura com 20 anos, subiu ao altar já com o pequeno Bruno na barriga.
1+1=3 E agora?
Dados do Pordata apontam que, em 2020, a idade média para a mulher ter o primeiro filho rondava os 31 anos. O prolongamento dos estudos, a instabilidade económica e a saída tardia de casa dos pais são alguns dos motivos apontados para que se seja pai ou mãe cada vez mais tarde.
Mas, como cada regra tem a sua exceção, há jovens que decidem ter filhos e constituir família – casando, ou não – em idades abaixo da média. As razões para a decisão são múltiplas e dependem das experiências familiares, da situação profissional e da formação académica, entre outros.
A chegada de um filho provoca, obrigatoriamente, mudanças na vida dos pais, quer enquanto indivíduos, quer enquanto casal. No caso de casais jovens, pode afetar a situação profissional ou escolar, além da própria dinâmica familiar. Dos enjoos durante a gravidez à tomada de decisões importantes – casar? viver juntos? continuar em casas separadas? -, passando pelas consultas regulares. Desde o aparecimento do risco no teste de gravidez, a vida dos recém pais sofre uma série de reviravoltas.
Hélder já tinha a ideia de ser pai há muito tempo, Ana Rita acompanhou o desejo e, juntos, “deram vida” ao pequeno Bruno. As psicólogas e investigadoras na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Joana Fernandes e Carina Santos, explicam que estes jovens não perspetivam benefícios em adiar a parentalidade e a conjugalidade. Um dos motivos acaba por ser a “transgeracionalidade de padrões e de dinâmicas familiares”: se os pais tiveram cedo os filhos, existe uma maior probabilidade de os jovens serem pais também mais cedo.
Já Mariana e Afonso foram apanhados de surpresa pela Matilde. Mariana sempre teve o “sonho programado”; Afonso sabia que, quando fosse mais velho, iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Um teste de três minutos mudou a vida do casal. O “choque inicial” transformou-se numa casa pronta e segura para receber Matilde. Bastou um bater de coração para que, mesmo ainda na barriga, Matilde fosse “embalada” pelo carinho dos pais.
Para as duas psicólogas, a idade não é necessariamente um fator de risco para o desenvolvimento da criança e é preciso estender a análise para a “qualidade da relação, a capacidade e as competências que o casal tem para se conectar com a criança”.
Acrescentam ainda que, nesta idade, os jovens não se identificam como adolescentes nem como adultos, focando-se apenas na exploração do seu “eu” individual e na construção social da sua pessoa.
Os filhos, a família e os amigos
A rede familiar alargada tem um papel essencial numa jovem família, quer durante a gravidez, quer no período pós-nascimento. Num período recheado de desconhecimento e novidade, o apoio dos familiares – sobretudo dos avós das crianças – pode ser crucial.
Ana Rita revela que os seus pais foram uma peça fulcral para a sustentabilidade financeira e familiar. Tudo começou quando a jovem e Hélder souberam que Bruno vinha a caminho. Prontamente, o pai de Ana Rita ofereceu ao casal a opção de viverem juntos na casa dos avós de Bruno. Do lado da família de Hélder, a aceitação não foi tão fácil, embora tenha acabado por chegar.
Já Mariana e Afonso dizem que os pais de ambos tiveram reações surpreendentemente positivas. Afonso explica que o pai teve uma reação emocional diferente daquela a que o jovem estava habituado (descreve-o como uma pessoa mais fria). Mariana conta que a sua mãe está em completo êxtase com a vinda de Matilde, como se fosse ela própria a ser mãe.
As psicólogas e investigadoras Joana Fernandes e Carina Santos explicam que a rede de suporte familiar pode ser essencial para a robustez familiar dos jovens recém-pais. No entanto, alertam para o perigo de uma intervenção exagerada por parte dos avós, podendo esta ter consequências negativas para a independência e autonomia da nova família.
No plano das amizades, a chegada de um filho também pode levar a alterações nas dinâmicas dos novos pais com o seu grupo de amigos por afetar as saídas à noite e a frequência de determinados espaços, assim como pela alteração dos ritmos diários dos progenitores. Hélder confessa ter sofrido um “grande abalo” por ver a sua rotina habitual de saídas com os amigos reduzida desde que foi pai, algo que não afetou Ana Rita da mesma forma, já que não saía com muita frequência mesmo antes de ser mãe.
No caso de Afonso e Mariana, antes do nascimento de Matilde, continuam a fazer as suas saídas e a juntarem-se normalmente com os amigos. Mariana, no entanto, não deixa de sublinhar que a gravidez a deixa mais cansada e com menos energia para uma grande noite de saídas.