Acusações dirigidas à ex-presidente da Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras - Raríssimas, em 2017, fizeram a instituição perder apoios e donativos. A delegação do Norte corre agora o risco de fechar portas. Os pais dos utentes afetados pedem ajuda para continuarem a dar qualidade de vida aos seus filhos.
“Não há apoios de lado nenhum”, diz José Francisco. O seu filho, já com 30 anos, é utente da Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras – Raríssimas e necessita de acompanhamento constante. A instituição enfrenta uma grave crise financeira devido à diminuição dos donativos nos últimos anos. A delegação do Norte, situada na Maia, está em risco de fechar as portas, pondo em causa o acesso a terapias de cerca de 20 crianças com doenças mentais raras.
José Francisco explica, em declarações ao JPN, que o seu filho já se encontra inscrito há dois anos. Desde então, tem sentido “melhorias significativas” na condição do jovem. José garante não ter queixas dos funcionários da Raríssimas, mas os elevados gastos têm sido um flagelo.
O pai, que assume “não ter direito ao [estatuto de] cuidador informal”, pediu reforma antecipada para poder estar mais perto do filho. Contudo, a queda daí resultante no rendimento – de 780 para 325 euros- abalou financeiramente José, que afirma ter de recorrer a poupanças para suportar todos os custos, que só em pagamentos à associação correspondem a 600 euros mensais.
Os apoios e donativos, que antes suportavam as consultas dos utentes, foram reduzidos drasticamente desde o escândalo financeiro que, em 2017, envolveu a fundadora e ex-presidente Paula Brito e Costa, acusada de lesar a instituição e que tem um processo em curso no tribunal. Os pais das crianças e jovens enfrentam assim uma grande dificuldade para cobrir financeiramente as sessões que variam entre os 35 e os 40 euros por hora.
Cristina Madureira é mais um caso de uma mãe que tem o seu filho na associação. O filho, com 26 anos, tem uma paraparésia espástica, uma deficiência motora, e está na Raríssimas há cerca de 12 anos. Segundo a mãe, “esta é a única instituição a dar resposta a doenças raras”, algo, garante, que o sistema público não é capaz de assegurar.
Uma “terapia diferenciada” é o que estes jovens precisam, afirma Cristina, que confessa a “necessidade de apoios de donativos e mecenas” para suportar os custos destas consultas. Com a comparticipação de terceiros, Cristina Madureira não despendia dinheiro para as terapias, mas agora gasta entre 300 e 350 euros mensais, mesmo tendo reduzido o número de vezes que leva o seu filho à associação.
Os pais garantem que precisam que pessoas e empresas continuem a ajudar e apelam ao Estado, porque “estas crianças, mais do que nunca, precisam de ajuda”.
“Respondemos a necessidades que são sentidas. Porque é que não nos apoiam?”
As acusações de abuso de confiança e falsificação de documentos que se abateram sobre a ex-presidente da associação, Paula Brito e Costa, em 2017, fizeram com que a grande maioria de apoios e donativos se perdessem. A instituição, em tempos visitada por Letizia Ortiz, atual Rainha de Espanha, e apoiada pela ex-primeira dama Maria Cavaco Silva, ficou, em grande parte, esquecida.
As delegações do Pico, Viseu e Algarve acabaram por fechar portas, mas a luta da instituição não terminou. A associação continua a funcionar a Sul, na Moita, e a Norte, na Maia, prestando o serviço de terapias a utentes com doenças mentais raras.
Em declarações ao JPN, Maria do Céu Ganhão, membro da comissão provisória de gestão, afirma que, desde 2017, a associação teve “um decréscimo substancial de apoios de mecenatos e empresas particulares”.
“Em 2017 tivemos cerca de 900 mil euros em donativos e em 2021 tivemos só 163 mil euros”, afirmou a também membro da direção da Raríssimas. Maria do Céu acrescentou ainda que desde o ano em que se deu o “escândalo Raríssimas” que vários contactos foram endereçados a várias empresas, mas que “receberam negas na maioria das vezes, salvo raras exceções”.
O centro localizado na Maia já procedeu a uma “redução de custos” segundo Maria do Céu Ganhão, mas ainda assim possui gastos anuais na ordem dos 40 mil euros, a nível de recursos humanos. Esta é uma despesa que “não é coberta pelos donativos, nem pelos pais dos utentes”.
Esta situação, na consideração da dirigente, “não é sustentável” e pode conduzir ao encerramento definitivo da delegação. Para além disso, existem ainda “dificuldades em pagar ordenados a funcionários”, que para Maria Ganhão “são baixos para o que os profissionais merecem”.
A dirigente recusa-se a a afirmar que o estado atual da associação é resultado dos acontecimentos de há 5 anos, mas garante que “os números falam por si”.
Não há, no entanto, um horizonte para melhorias ou para o fecho da associação e para Maria do Céu, esta é “uma luta de dia a dia e uma sobrevivência de mês a mês”. Para os pais dos utentes, a realidade é preocupante e há uma necessidade de arranjar apoios e de saber “para onde irão estas crianças”.
A dirigente da Raríssimas garante: “Não queremos encerrar. Os pais estão preocupados e nós também”. Apesar das incertezas existe a possibilidade de ter acesso a uma comparticipação do Estado – mas para isso a associação terá de se transformar num Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão. As próximas semanas são decisivas para definir o futuro da instituição da qual dependem dezenas de famílias.
Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro