O Centro de Apoio ao Sem Abrigo (CASA) é uma associação ativa no apoio a pessoas em posição vulnerável - na época das temperaturas mais baixas e o ano todo. O JPN acompanhou uma noite da equipa pelas ruas do Porto, desde o momento da preparação das refeições até à distribuição, em mão, dos kits aos utentes. Para os voluntários, é crucial sair da zona de conforto: enquanto alguém precisar, há que lhe estender a mão.
Já começa a anoitecer quando os voluntários do Centro de Apoio ao Sem Abrigo (CASA) finalizam os preparativos para sair numa das habituais rondas na Invicta, que acontecem às terças, quintas, sextas e domingos . Pelas 19h30, os 150 pacotes individuais de refeição – número entregue todas as noites -, estão dispostos na cozinha.
Durante o inverno, houve um reforço das equipas de voluntários para distribuir cobertores e refeições quentes pela Invicta – sendo o CASA um dos agentes ativos na doação de bens. No entanto, a equipa trabalha todo o ano para assegurar que os pacotes, cuja composição varia consoante as doações, chegam às mãos de quem precisa. Normalmente, são constituídos pelo prato principal, fruta, iogurtes ou leite, pão, um doce (ou salgado) e água.
O cheiro da grande panela do prato do dia, massa com camarão, invade a cozinha, enquanto se enchem os recipientes descartáveis. Antes de carregar a carrinha, é necessário trabalho de equipa entre os voluntários. Um enche os recipientes com a refeição quente, que é a última coisa a entrar nos sacos, outro fecha-os; mais adiante, outro completa os kits com os restantes bens. Ao mesmo tempo, prepara-se café, num grande recipiente de material isolador, para dar às pessoas em copos, enquanto se debate a doçura da bebida. “Eles gostam bem docinho”, riem os voluntários.
A associação chegou ao Porto em 2008. Além de assistirem pessoas em condição de sem-abrigo na cidade – passando pelas zonas de maior vulnerabilidade –, também fazem entrega de cabazes alimentares a famílias em risco nas cidades do Porto, Paredes e Felgueiras. O centro é, ainda, responsável pela coordenação do Restaurante Solidário, projeto que serve jantares variados com lugares sentados.
Todos os elementos são pessoas com empregos diurnos, pelo que o tempo dedicado à missão é o final do dia e a noite. Desde que chegam à sede até saírem, dividem-se pelas diferentes tarefas. O prato principal é confecionado no dia pela equipa de preparação, que não participa nas saídas. Os restantes membros têm como função preparar os pacotes e a sua distribuição.
A CASA sai à rua, à procura das pessoas que precisam
Já na estrada, antes de percorrer as ruas do Porto, o CASA passa pelo Continente Bom Dia da Prelada para receber donativos da instituição. O percurso começa perto da Cruz Vermelha do Porto e termina no bairro de Pinheiros Torres, mas faz algumas paragens específicas – que, ainda que tenham poucas pessoas, não são esquecidas pelo centro de apoio.
No entanto, denotam-se pontos concretos com mais resposta. No Bom Sucesso, por exemplo, já há pessoas à espera quando a carrinha chega. Entre caras familiares e amigas e caras menos simpáticas, os kits desparecem rapidamente. À medida que se entregam, mais pessoas chegam para os receber. Muitas pedem até mais do que um saco para dar a terceiros que conhecem, em situações semelhantes.
Dentro da rotina, acaba por se construir um ambiente de familiaridade. André Carqueja, uma das caras do CASA, brinca com os utentes que conhece, intitulando-se como “o seu carequinha favorito”. Aos que não conhece, cumprimenta com simpatia, apesar de, muitas vezes, não receber um “boa noite” de volta. Ainda que seja “só mais uma” refeição, os utentes geralmente refletem gratidão e uma certa alegria.
Paulo Soares também é voluntário do movimento e fez voluntariado toda a sua vida. Segundo o próprio, é necessário “sair da nossa zona de conforto” e ir ver o “mundo de outra forma“. “Transfiro tudo o que vejo neles para poder ver o que tenho que transformar em mim e ser uma pessoa melhor“, reitera.
O voluntário assegura que a tarefa é gratificante, indicando noites em que se vê mesmo o “brilho nos olhares das pessoas“. Contudo, aponta que as reações variam – existem pessoas que se limitam a receber a comida em silêncio, há quem mostre alguma vergonha e há inclusive utentes que são “mais nervosinhos e que dizem «Não gosto de banana»”.
Nas estradas silenciosas da Invicta, o caminho continua. Os locais de entrega variam de habitações improvisadas, feitas a partir de casas abandonadas, até grandes comunidades que vivem em tendas montadas debaixo de pontes. Vão a “sítios onde não imaginavam que viviam pessoas”, partilham os voluntários perante a sua experiência.
Ao volante, André Carqueja desabafa que “nem todas as noites são fáceis” e que, às vezes, “apetece ficar no sofá ou ir a uma festa, mas temos que pensar nos outros”. Mas no meio da correria da noite, confessa ao JPN: “Já não sei fazer outra coisa“. O voluntário integra a equipa há 4 anos mas já faz voluntariado desde os 15 anos. Apesar de ter feito interrupções, diz ter sempre um “bichinho” que o motiva a voltar.
Transfiro tudo o que vejo neles para poder ver o que tenho que transformar em mim e ser uma pessoa melhor. – Paulo Soares, voluntário do CASA
A última paragem, em Pinheiro Torres, segundo André Carqueja, costuma ser o posto com maior adesão – e consequentemente o local onde se distribuem mais kits. Porém, nesta ronda, não houve a resposta esperada, o que acabou por fazer com que sobrassem.
As rondas são caracterizadas pela incerteza e pela imprevisibilidade, de acordo com o voluntário, no sentido de existirem noites em que “faltam kits e outras que restam”. Além disso, o elemento do CASA acredita que a falta de pessoas no bairro se deve a outras associações terem prestado apoio aos utentes mais cedo. As rotas das associações do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA), que partilham a missão, são conhecidas entre as várias entidades – porém, por vezes, os trajetos sobrepõem-se.
Por volta das 23 horas a ronda termina. Com algum cansaço, o CASA regressa à cozinha para esvaziar a carrinha e arrumar. No próximo dia de ronda, a rotina é retomada. Enquanto houver gente a precisar, o dever não se extingue.
Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira