No segundo dia do certame, o destaque recai sobre os artistas inseridos no programa Creative African Nexus (CANEX) - que cumpriu presença pela 3.ª vez, esta terça-feira (15 de março). A parceria entre a ANJE e o Afreximbank apresentou designers que têm como forte inspiração características da cultura africana.

No segundo o dia, as luzes da ribalta do Portugal Fashion (PF) caem especialmente sobre os designers trazidos pela Creative African Nexus (CANEX) – uma iniciativa que, segundo a página do evento, tem o objetivo de “apoiar e promover a indústria da moda e da produção têxtil africana em Portugal e na Europa”. 

Ao todo, foram seis artistas da CANEX que deram vida às “passerelas” da Rua Latino Coelho, inseridas na plataforma BLOOM – ainda que, durante os próximos dias, estejam previstas mais apresentações. Os designers trouxeram coleções com influências africanas, feitas cuidadosamente para mostrar o melhor do artesanato e da criatividade da indústria durante os desfiles.

As “Journeys” da SAVÁ

SAVÁ abriu a semana de desfiles com a coleção “Journeys”, usando fortes contrastes entre as cores azul, laranja e preto nas roupas. Sânia Bacar, diretora criativa da marca, quer expressar nas suas peças as diferentes fases da vida. Além de trabalhar a sua própria evolução como designer, mostra como gostaria que, como sociedade, tratássemos o mundo e o meio ambiente.

Sânia Bacar quer que a sua obra seja interpretada como um protesto sobre o desperdiço de materiais. Um dos têxteis principais usados na apresentação foi o denim [ganga], um material que a SAVÁ usa em quase todas as suas coleções. “É um tecido que dura muito tempo. Se compras umas calças denim, podes vesti-las a vida toda. [O uso do material] então é basicamente sobre sustentabilidade”, explica.

Sânia Bacar, diretora creativa da marca, quer deixar um apelo contra o desperdício na sua proposta de Outono-Inverno. Foto: Nádia Neto

Dentro da “Journeys” também foi usado um material especial na saia e no vestido, prendas que fecharam o seu desfile. “Vamos a chamar ele [o tecido] de metálico, mas é um material bastante diferente”, avança.

Sobre influências africanas, a designer afirma que estão presentes principalmente nos estampados, uma constante em todas as suas coleções.

As formas femininas de Yeside Laguda

Já as criações apresentadas por Yeside Laguda, fundadora da sua marca homónima, são parte das diferentes coleções feitas pela designer. As prendas são femininas, de cores vivas e estampas vivazes. Os brilhos também estiveram presentes nas peças que fecharam o desfile.

“A figura feminina é muito importante para mim.” explica a designer.  E completa: “Gosto de mostrar a mulher nos seus melhores lugares”.

A visão da empresa de Yeside Laguda está ligada à produção africana artesanal. Todos os têxteis, originalmente brancos, são tingidos na Nigéria via tie-dye [amarrar e tingir, em inglês; uma técnica tingimento artístico de tecidos]. “Tudo é local, tudo é nosso”, afirma a designer.

O luxo acessível de Bloke

A marca Bloke, fundada por Faith Oluwajimi, apresentou a sua coleção “Black Tax”, inspirada pelo fenómeno do mesmo nome que se apresenta na comunidade negra. O termo refere-se ao fardo financeiro que as pessoas negras carregam ao alcançar certo nível de sucesso – visto que começam a apoiar financeiramente os outros membros da sua família com menos estabilidade económica.

As peças, feitas de um conjunto abrangente de tecidos, transmitem a sensação de luxo através do seu estilo contemporâneo. Ainda que o designer não estivesse presente por motivos pessoais, o representante da marca na exibição, Kayjay Abajomi, confirma que estas características fazem parte da mensagem que a própria Bloke, como marca, quer expressar.

Kayjay Abajomi marcou presença como representante da marca Bloke.  Foto: Nádia Neto

“A coleção é feita à mão. Leva bastante tempo, e sentimos que esta é a forma de comunicar luxo verdadeiro. Penso que o Bloke está a fazer o luxo mais acessível numa forma muito curada” afirma Abajomi. “Como marca, tentamos considerar as sensibilidades europeias e comunicá-las com artesanato africano”, remata.

As reencarnações de Ntando XV

Ntando Ngwenya, que assinala o seu primeiro showcasing no Portugal Fashion, define-se como um designer intuitivo. “Faço o que sinto que é certo para mim no momento, com os recursos e as habilidades que tenho”, clarifica. “A questão de [ter uma só] inspiração me confunde muito, porque fico inspirado com muitas coisas: um anel, música, temperatura, pessoas, arquitetura, a vida e o mundo”, partilha.

A coleção da sua marca, Ntando XV, utiliza principalmente três materiais: denim, linho e seda crua. Todos os materiais são orgânicos – Ngwenya quer transformar a arte tradicional da confeção através da manipulação dos têxteis, para a tornar em algo mais contemporâneo.

A criação visa mostrar como as pessoas podem ganhar outra vida através do “ritual de se vestir”, todos os dias. O designer partilha com o JPN que, para si,  “as praticabilidades de ver como podes ver-te de formas diferentes é uma reencarnação. Hoje podes sentir-te de forma diferente e transformar-te nessa pessoa. Sinto que esta coleção transmite a visão de encarnar através do guarda-roupa”, explica.

CANEX como oportunidade de alargar a moda em Portugal – e de levar Portugal para o mundo

A CANEX integra uma parceteve a sua primeira edição em outubro de 2021. Trata-se de uma parceria entre o Afreximbank (Banco Africano de Exportação e Importação) e a ANJE, com duração prevista de três anos. Anualmente, quer dar luz a pelo menos 40 designers africanos.

De acordo com a diretora do Portugal Fashion, Mónica Neto, o feedback acerca do programa tem sido “ótimo”- por parte do banco, dos designers, da imprensa e da indústria. “Transforma o Portugal Fashion numa plataforma ainda mais global porque traz frescura e criatividade”, acrescenta, em conversa com o JPN. “Cria um posicionamento interessante para nós enquanto plataforma, com algo já a transpor a outros mercados e que atrai esses mercados para nós”, reitera.

“Ainda temos duas edições pela frente antes do fim do protocolo, mas o objetivo é renová-lo”, avança Mónica Neto. E completa: “Sentimos que no início do projeto até houve alguma resistência, mas este processo tem-nos deixado muito satisfeitos.”

O sentimento é partilhado entre os artistas que, esta terça-feira, apresentaram as suas coleções. “Espero que continue, porque é uma oportunidade maravilhosa para designers africanos; de outra forma não estaria aqui. É um projeto incrível.”, manifestou Yeside Laguda ao JPN. 

“Em África influenciamos muito do que acontece ao redor, mas o CANEX está a promover a indústria da moda e a criativa, o acesso aos mercados”, expressa, na mesma linha, Ntando Ngwenya. “Aprecio muito o que fazem”, indica.

Os designers são escolhidos após um processo “com um papel importante de curadoria”, diz Mónica Neto. Muitos dos elegidos já apresentaram as suas criações noutros países. Após serem selecionados para integrar a CANEX, ficam uma semana no Porto para fazer parte do PF. Além disto, realizam um tour industrial, participam em reuniões com parceiros de produção e mentores, e mantêm um programa de mentoria à distância, organizado pelo certame.

O Portugal Fashion termina este sábado, dia 18 de março. Os próximos dias ainda contam com desfiles de Estelita Mendoça, Katty Xiomara, Marques’Almeida, assim como apresentações de outros designers do CANEX.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira