Confirmar oficialmente o início de uma nova vaga é sempre uma questão muito complicada. “A quem cabe essa responsabilidade? Ao Governo ou aos números?”. Essa é a dúvida que levanta Luís Saboga Nunes, professor na Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa, ouvido pelo JPN.

Sobre este assunto, Ricardo Mexia, médico de Saúde Pública, epidemiologista e presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANSMP), refere, ao JPN, que a nomenclatura das vagas não é muito epidemiológica, mas confirma que “tem havido um crescimento relevante do número de casos há já várias semanas”.

Em comparação com as três vagas anteriores, esta nova fase da pandemia apresenta “bastantes menos casos, menos internamentos e menos mortes”, devido ao facto de o plano de vacinação já estar em vigor e “aparenta ter uma distribuição regional que também não é inovadora”, verificando-se uma concentração predominante de casos na região de Lisboa e Vale do Tejo, assegura Ricardo Mexia. O médico de saúde pública acredita que o que aconteceu “entre janeiro e fevereiro deste ano é irrepetível e ainda bem que assim o é, porque foi catastrófico”.

Os especialistas apontam vantagens em relação ao facto de a quarta vaga ser no verão. Luís Saboga Nunes afirma que “o sol é um remédio natural que devíamos usar para lidar com esta situação, pois ajuda na imunização e no reforço das nossas competências físicas, psicológicas e mentais”. O professor defende que a promoção da literacia para a saúde também passa pela divulgação dos benefícios da helioterapia e da alimentação no combate à pandemia e não só pela lavagem das mãos e uso de máscaras.

É necessária uma “revolução social”

A nova vaga também está a ser marcada, novamente, pelo surgimento de surtos em lares de terceira idade. Apesar da grande maioria desse setor da população já estar vacinado, é preciso continuar a acompanhar esses casos muito de perto. Ricardo Mexia relembra que a vacinação não impede a infeção pelo vírus, nem a possibilidade de desenvolver sintomas graves, pois as vacinas não são cem por cento eficazes.

Neste sentido, Luís Saboga Nunes, defende que um dos principais objetivos que o governo devia ter, em relação à população sénior é de “entregar a estas pessoas o carinho e o amor que elas carecem e necessitam”, pois isso também reforça o sistema imunitário.

O professor da Universidade Nova de Lisboa afirma que foi adotada “uma estratégia de ostracismo destas pessoas, com o argumento de que é para as proteger, mas se falarmos com elas, elas não querem saber disso para nada. Isto é uma coisa indigna de uma sociedade como a nossa”. Luís Saboga Nunes conclui que isto pode ser aplicado a toda a população, visto que “o bem-estar e felicidade, não é simplesmente a dimensão física”.

O professor reconhece que esta ideia é uma “revolução social” muito grande, mas acredita que pode ser vantajoso, dado que os idosos “iam deixar de estar ‘acumulados’ em sítios de grande fragilidade. Em vez de termos construído cercas sanitárias, deveríamos ter construído cercas de promoção de saúde”.

O que deve ainda ser feito?

O presidente da ANSMP salienta que a comunicação é uma questão central no combate à pandemia da Covid-19. Ricardo Mexia alega que “há uma total dissociação entre a perceção de risco e o risco real. Há muitas pessoas que acham que a pandemia já acabou, portanto, não têm cautelas que tinham até dois, três meses atrás”. O médico de saúde pública ainda destaca a importância da vacinação e da testagem, no controlo da pandemia e na suspensão de cadeias de transmissão, respetivamente.

Em relação a um possível novo confinamento, Ricardo Mexia, crê que “desde que as pessoas continuem ou passem a adotar comportamentos que permitam reduzir o risco, não é necessariamente verdade que voltar a fechar o país é a única solução”. Assim, considera que tem de haver um ajustamento das medidas à zona geográfica e à evolução da incidência de novos casos.

Ricardo Mexia duvida que o Serviço Nacional de Saúde está mais bem preparado para enfrentar uma nova vaga da pandemia, pois não sabe “se houve grandes reforços da capacidade de resposta”. O presidente da ANSMP realça que é necessário conseguir “retomar aquilo que foram todas as atividades que tivemos ao longo deste ano e meio suspensas”, sendo “fundamental manter a resposta covid”, em simultâneo.

Luís Saboga Nunes acusa a “exigência social” de querer vencer o vírus, de ser “totalmente irrealista e absolutamente anacrónica”, uma vez que “não temos recursos para o fazer”. Portanto, o professor defende um trabalho de promoção de saúde e de sensibilização da população, porque temos de “aprender a viver com este vírus”. Só com o reforço da saúde das pessoas é que “o vírus vai encontrar uma população com resistência natural à sua presença”, complementa.

Segundo Luís Saboga Nunes, a população migrante vinda de países como Índia e Nepal, deveria ter tido, há já algum tempo, uma estratégia de acompanhamento próxima e, talvez, “teriam de ter sido das primeiras pessoas a serem vacinadas, depois dos grupos de risco que temos vindo a identificar”, pois “estas pessoas estão a morrer por esta e outras doenças, por não terem condições, mas isso ninguém quer ouvir falar”.

Além disto, o professor refere que o país acaba pode ser “vítima da festa dos outros”, questionando se o tipo de acolhimento feito aos estrangeiros vai ao encontro dos interesses da população portuguesa.  Por fim, Luís Saboga Nunes caracteriza a estratégia do Governo como “muito casuística, muito pouco consistente e coerente e com mensagens que falham o objetivo central daquilo que é fortalecer as nossas populações. Nós estamos a lidar com isto de uma forma emergente e não inteligente”.

Artigo editado por João Malheiro