Afonso Cruz, Álvaro Laborinho Lúcio, José Luís Peixoto e Xosé Ramón Pena não se surpreendem com a baixa percentagem de pessoas que leem e destacam a importância da educação para promover hábitos de leitura. Falam ainda da importância de eventos como o Correntes d’Escritas.

No Correntes não faltaram livros para comprar. Foto: Sara Arnaud

Segundo um estudo da Universidade de Lisboa para a Fundação Calouste Gulbenkian, “mais de metade dos portugueses leu nenhum livro no último ano”. Este dado não surpreende os escritores que o JPN encontrou nos corredores do Correntes d’Escritas, o encontro anual de autores de línguas portuguesa e espanhola que decorreu entre 23 e 28 de fevereiro na Póvoa de Varzim. Afonso Cruz, multipremiado autor de romances, acredita que “40% não é um número assim tão desprestigiante para a leitura”. O escritor de 51 anos considera que a leitura, em comparação com outras atividades culturais, é um entretenimento difícil.

“Na música, por exemplo, as pessoas cantam e dançam em conjunto e, portanto, é mais apetecível e gratificante. A leitura pelo contrário remete-nos ao silêncio, à contemplação, à reflexão, a um fechamento. Nesse sentido, acaba por ser muito menos cativante do que qualquer outra atividade cultural e compreendo perfeitamente que a leitura seja um nicho e tem também a sua beleza por isso“, explica o autor de “Para onde vão os guarda-chuvas”.

Para Álvaro Laborinho Lúcio, ex-ministro da Justiça, este número confirma uma preocupação que já tinha. Salienta ainda que o importante não é fazer uma avaliação estatística, mas sim perceber quais são as razões profundas que estão por trás dessa ausência de leitura. “As pessoas deixaram de gostar de ler e dedicam-se a outras formas de aproximação ao conhecimento e até à cultura. É importante que valorizemos o livro e percebamos até que ponto é que a educação e a escola podem ter um papel decisivo para estabelecer uma mudança”, esclarece o escritor de 80 anos.

José Luís Peixoto não olha para os dados com pessimismo. Por frequentar espaços muito ligados a livros encontra muita gente que lê, mas sabe que “essas pessoas não são representativas da totalidade da população”. O poeta e dramaturgo defende que a leitura edifica e favorece a construção social de um país, por isso considera crucial refletir sobre o real empenho perante esta área cultural. “O que sugiro às pessoas que se preocupam com a falta de leitura dos outros é que elas próprias leiam. Se o fizerem já estão a dar um passo muito determinante na valorização da leitura”, clarifica o escritor de 47 anos.

O estudo estabeleceu também uma comparação com Espanha: “No último ano, 61% dos portugueses inquiridos não leram nenhum livro em papel, contra 38% dos espanhóis”. Assim, a realidade espanhola mostra-se bastante diferente da portuguesa. O escritor espanhol Xosé Ramón Pena supõe que esta diferença se deve sobretudo a fatores sociais e históricos “que só com o tempo, investindo dinheiro em educação se podem corrigir”. No entanto, sublinha que o número de leitores espanhóis não é assim tão alto comparativamente a outros países europeus.

O contexto familiar e os hábitos que se criam durante a infância e adolescência podem ser algumas das razões para os portugueses lerem pouco. Progressivamente, foi-se abandonando a leitura do livro e criaram-se outras formas acesso à cultura, ao conhecimento e à informação. Laborinho Lúcio crê que o próprio gosto pela leitura passou a ser algo pouco avaliado criticamente e defende que “antes de se aprender a ler é preciso criar leitores e ensinar às crianças a necessidade e o desejo de saber ler”. “O gostar de ler é fundamental”, sublinha.

Afonso Cruz menciona algumas das medidas que já foram implementadas para contornar estes números, como o Plano Nacional de Leitura, a vasta rede de bibliotecas, a grande circulação de livros e até a acessibilidade aos livros. “Antes, as pessoas não tinham biblioteca em casa, agora é quase impensável entrar numa casa e não haver pelo menos um livro e se existe acessibilidade é muito mais fácil chegar à leitura”, salienta.

O escritor também refere a problemática das assimetrias de classes sociais, da educação e do acesso à cultura e como isso afeta as pessoas: “Há uma grande percentagem que não frequenta espaços culturais com medo de não serem capazes de fruir de um objeto artístico. Mas esse receio é que tem de ser combatido. Não é preciso ser um crítico, um grande intelectual ou ter um doutoramento para entrar num museu”, explica.

Banca de livros à venda no Correntes d’Escritas. Sara Arnaud

O estudo apresentado pela Gulbenkian focou-se na análise das práticas culturais dos portugueses em 2020, através de um inquérito a 2 mil pessoas, com 15 ou mais anos de idade a residir em Portugal. No caso da leitura, mesmo sendo uma percentagem baixa, os portugueses ainda a veem como um refúgio e leem principalmente por prazer, sobretudo os mais idosos e pessoas menos instruídas. O autor de “Cemitério de Pianos” foi surpreendido com estes dados, mas fica agradado por as pessoas mais velhas terem uma ligação forte à leitura. Acrescenta que “os livros levam vida dentro e a leitura contribui para uma vida com sentido, portanto, se as pessoas dessa idade conseguem reconhecer isso, é parte da sua sabedoria certamente”.

Para os quatro escritores, a cultura é essencial, é através dela que o ser humano é educado. Eventos como o Correntes d’Escritas têm, na visão dos autores, um papel imprescindível na valorização dos livros. Afonso Cruz diz que “quanto mais acesso tivermos à leitura e quanto mais nos habituamos a esse contacto entre leitores, escritores, pessoas que não leem, que acham que não gostam de ler, é possível através de conversas um pouco informais, tal como estas são, encontrar novos leitores e criar uma nova rede humana”.

Já José Luís Peixoto pensa que estes eventos não devem ter o fardo de resolver todos os problemas ligados à leitura. Ainda assim, não descura que iniciativas como o Correntes d’Escritas permitem que “nos encontremos”. “Esse encontro entre pessoas que escrevem e pessoas que leem por um lado ajuda a que surjam novos projetos, a que se cativem novos grupos e que mais pessoas cheguem à leitura”, afirma.

Por fim, Xosé Ramón Pena, sendo a sua primeira vez no evento que decorre na Póvoa de Varzim, considera que o importante não é o que os escritores dizem, mas sim o que refletem das conversas. “Eventos como este onde o público assistente pode participar são fundamentais para promover esse gosto pelos livros e pela leitura”, remata o escritor galego de 65 anos.

Artigo editado por Filipa Silva