Em entrevista ao JPN, Zélia Figueiredo, que vai coordenar o Grupo de Acompanhamento das Estratégias de Saúde para pessoas LGBTI+, considera que falta melhorar tanto o acesso aos cuidados, como a comunicação dos profissionais de saúde com os utentes.

Zélia Figueiredo é psiquiatra no Hospital de Magalhães Lemos.

Zélia Figueiredo é psiquiatra no Hospital de Magalhães Lemos. Foi escolhida pelo Governo para liderar o Grupo de Acompanhamento da Implementação da Estratégia de Saúde para as Pessoas LGBTI+. Foto: Pedro Matias

“Diminuir as dificuldades” de acesso aos cuidados de saúde e “facilitar a comunicação entre todos”, utentes e profissionais. Para Zélia Figueiredo, coordenadora do Grupo de Acompanhamento da Implementação da Estratégia de Saúde para as Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (LGBTI), estes são os dois grandes objetivos do novo organismo, anunciado pelo Governo a 17 de maio.

Nesse mesmo dia, Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia e Dia Nacional contra a Homofobia e Transfobia, foi publicado no “Diário da República” um despacho que assinala o reforço do compromisso político do Governo para com a comunidade LGBTI, no que diz respeito à melhoria do tratamento e dos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) a esta comunidade. 

Em entrevista ao JPN, a médica psiquiatra do Porto, especialista em sexologia, que acompanha diariamente transexuais desde 2009, relata que os atos discriminatórios contra as pessoas LGBTI “acontecem muito” no contexto da saúde. Além disso, ressalta que o principal entrave encontrado pelas pessoas LGBTI na saúde pública ocorre logo ao nível do médico de família.

A especialista explica que “muitas vezes o médico de família não tem formação e não consegue entender muito bem o que está a passar” e efetivamente “perceber quais são os encaminhamentos” necessários a fazer em cada caso particular.

Ao JPN, Zélia Figueiredo adianta que o grupo de acompanhamento anunciado pelo Governo, e que a especialista vai coordenar, “ainda está a ser definido”, sendo certo que vai contar com representantes de “organismos estatais, diferentes áreas da saúde e associações de pessoas transgénero e intersexo”. A partir de agora, “todas as queixas” advindas da comunidade LGBTI dentro do SNS “serão avaliadas e analisadas”, assegurou.

Neste contexto, as principais medidas que foram afixadas consistem na melhoria do acesso aos cuidados de saúde primários, hospitalares e centros de intervenção especializada e a resolução das dificuldades identificadas. Além disso, promover e replicar boas práticas através da preparação dos profissionais de saúde é imprescindível para que o acompanhamento do utente seja eficaz e igualitário.

Mais de um terço omite a sua identidade sexual

Publicado em 2022, o Estudo Nacional sobre Necessidades das Pessoas LGBTI refere que as “pessoas de minorias sexuais e/ou de género enfrentam ainda inúmeros obstáculos no acesso” aos serviços de saúde portugueses. O documento cita, a propósito, o projeto “Saúde em Igualdade”, da Associação ILGA Portugal (2014), que fez uma recolha de dados empíricos sobre esta questão.

Os principais objetivos do Grupo de Acompanhamento:

  • Identificar dificuldades a nível da prevenção, promoção da saúde, acesso e prestação de cuidados a pessoas LGBTI, especialmente trans e intersexo;

  •  Identificar oportunidades de melhoria da resposta dos serviços de saúde, especializados ou não nos cuidados a pessoas LGBTI;

  •  Propor medidas para resolver as dificuldades identificadas, de modo a promover e replicar boas práticas;
  • Avaliar a implementação da Estratégia de Saúde para os LGBTI.

“Inquirindo 600 participantes LGB e 29 participantes trans, o estudo permitiu concluir que a invisibilidade das pessoas LGB e o silêncio sobre as suas identidades e comportamentos é comum nos contextos de saúde em Portugal”, refere o estudo. “Cerca de 70% dos/as profissionais de saúde pressupunha que o/a utente à sua frente era heterossexual”, concluiu o projeto da ILGA. Que acrescentou ainda:

  • Cerca de 30% dos/as participantes nunca tinha falado com nenhum/a profissional de saúde sobre a sua orientação sexual;
  • 37% já tinha mesmo omitido a sua identidade sexual e/ou de género em situações clínicas nas quais seria importante o/a profissional ter essa informação.
  • Em praticamente metade das situações o/a médico/a de família não tinha conhecimento da orientação ou comportamentos sexuais dos/as utentes LGB e 25% das pessoas LGB com filhos/as escondia do/a pediatra a sua estrutura familiar.

Além da invisibilidade, também foram identificadas situações de desrespeito, advindas dos profissionais de saúde. O projeto da ILGA concluiu que 17% das pessoas LGB já tinha sido alvo de discriminação em serviços de saúde. Estas situações incluíram comentários considerados insultuosos, desconforto no contacto físico ou dificuldades no acompanhamento dos parceiros em consultas e internamentos.

O estudo deixou por isso várias sugestões de melhoria, apontando também a necessidade de concretizar aquelas que estão previstas na Estratégia de Saúde das Pessoas LGBTI+, publicada pela Direção-Geral da Saúde em 2019. As propostas do estudo nacional passam pela descentralização dos cuidados de saúde relacionados com os processos de afirmação de género, pela eliminação de resistências ao encaminhamento para a consulta de sexologia nos serviços do SNS, entre outras.

Artigo editado por Filipa Silva