Pouco mais de um mês depois da reabertura, o CCStop volta a enfrentar o cenário de encerramento, desta vez com data marcada. Câmara do Porto diz que vai cumprir com a decisão, tendo por base um relatório da Proteção Civil e um parecer dos serviços jurídicos da autarquia. Jaime Manso questiona: "Por que razão é que somos postos na rua outra vez se cumprimos tudo o que a Câmara do Porto nos pediu?".

Centro Comercial Stop foi aberto em 1982. Há pelo menos duas décadas que funciona como morada de ensaio e gravação de centenas de músicos. Foto: Inês Cristina Silva

Se o processo não conhecer desenvolvimentos – e têm sido muitos desde que a 18 de julho a Polícia Municipal encerrou 105 das 126 lojas do Centro Comercial Stop (CCStop) – os músicos e lojistas do edifício aberto em 1982 na Rua do Heroísmo, no Porto, terão até ao dia 21 de setembro para deixar o local

O edital que determina a “cessação da utilização do edifício” foi publicado esta quinta-feira (7 de setembro) e já foi afixado pela polícia no CCStop. O documento notifica formalmente “os proprietários, arrendatários e demais ocupantes do edifício” a cessarem a utilização de todas as frações autónomas e do parque de estacionamento num “prazo de 10 (dez) dias úteis”, a contar do dia da afixação do edital.

Jaime Manso, da associação Alma Stop, uma das duas que representa músicos e lojistas do centro, dá voz à incompreensão dos profissionais, perante a decisão camarária: “Por que razão é que somos postos na rua outra vez se cumprimos tudo o que a Câmara do Porto nos pediu? Se a administração do condomínio assinou um termo de responsabilidade? Se as pessoas se inscreveram para tirar o curso de proteção contra incêndios dos bombeiros? O que é que faltou aqui? Diálogo do senhor presidente e do executivo e falta de vontade política”, sentenciou o músico, em declarações ao JPN.

Edital dá cumprimento a despacho de Rui Moreira

A ordem assinada pela diretora do Departamento Municipal de Fiscalização da Câmara Municipal do Porto (CMP) dá cumprimento ao despacho que o presidente da autarquia, Rui Moreira, assinou a 1 de setembro.

Nesse despacho, o autarca, apoiado num parecer dos serviços jurídicos da CMP, decidiu determinar o encerramento do edifício “face ao risco sério, grave e iminente para a segurança de pessoas e bens que se verifica atualmente nas instalações do Centro Comercial STOP”

O parecer dos serviços jurídicos da câmara apoia-se, por sua vez, no Relatório de Inspeção Extraordinária da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), datado de 18 de agosto. Relatório esse que “concluiu pela flagrante violação das normas do Regime Jurídico de Segurança contra Incêndios em Edifícios (RJSCIE)”, segundo a autarquia.

De acordo com a Agência Lusa, que teve acesso ao relatório da ANEPC, o documento aponta que ficou “claramente demonstrada a falta de segurança do edifício” depois de realizados testes de avaliação de risco de incêndio com o método Gretner, em que “a segurança é suficiente se for alcançado o valor 1”, mas os pisos à superfície do Stop obtiveram 0,45 e 0,77 (com bombeiros à porta), e os subterrâneos 0,805 e 1,368 (com bombeiros). Observa ainda falhas nas condições gerais de evacuação, entre outras anormalidades.

O documento da ANEPC não refere, contudo, o encerramento do edifício. “O relatório não diz para fechar o Stop”, reforça Jaime Manso. “Diz para arranjarmos soluções. A Câmara diz para fechar e, ao que parece, o senhor presidente da Câmara disse até que não havia extintores no Stop, o que é falso. Se for lá hoje, não só há mangueiras, como extintores, como luzes de incêndio”, completa.

Seja como for, a autarquia defende que o conteúdo do relatório da ANEPC insta o município a avançar com o encerramento. Por sugestão dos serviços jurídicos, a CMP deve avançar com uma providência cautelar contra a ANEPC, entidade que considera ser quem estaria “legalmente obrigada a determinar o encerramento provisório e imediato das instalações” do Stop.

Um filme dos acontecimentos

Foi a 18 de julho que o dia a dia dos lojistas e músicos do CCStop – uma comunidade estimada em cerca de 500 pessoas – foi definitivamente abalado. A falta de condições do edifício era conhecida há vários anos, mas foi nesse dia que a Polícia Municipal selou 105 das 126 lojas do edifício, todas por falta de licença de utilização.

A razão de fundo da operação foi, contudo, mais ampla. Um relatório do Regimento de Sapadores Bombeiros (RSB) do Porto feito, este ano, a pedido da autarquia identificou “puxadas elétricas ilegais”, “problemas com saídas de segurança” e um “conjunto de lojas sem licença de utilização”.

Com base nesse relatório, nas queixas de ruído e no funcionamento ilegal de uma discoteca, Rui Moreira considerou que se vivia no CCStop “uma situação de altíssima gravidade” em que a câmara tinha de intervir sob pena de poder vir a ser responsabilizada no caso de ocorrer algum acidente.

O autarca negou também que estivessem em causa interesses imobiliários sobre o edifício e foi repetindo que a câmara estava empenhada em encontrar uma solução para o problema, reconhecendo “a importância do ecossistema que tem vindo a funcionar há muitos anos no Stop”.

Nesse sentido, logo a 19 de julho, Rui Moreira avançou que a Escola Pires de Lima, próxima do centro comercial, poderia ser uma alternativa para acolher os músicos do Stop, uma vez que ficou sem uso no presente ano letivo. O Silo Auto tinha sido outra hipótese aventada no passado.

Disse igualmente que a Câmara não estava interessada em comprar o edifício – que tem centenas de proprietários – e considerou que expropriar para depois intervir no CCStop também seria um processo demasiado moroso.

Três dias depois, a autarquia apresentava uma proposta concreta às duas associações representativas dos músicos e lojistas – ACM Stop e Alma Stop – tendo em vista a reabertura “excecional e temporária” das lojas, mediante o cumprimento de um conjunto de condições, que iam da permanência de um piquete do Regimento de Sapadores Bombeiros à porta do Stop à instalação de equipamentos de combate a incêndios no edifício, passando pela implementação de um horário de funcionamento de 12 horas

A 24 de julho, o Executivo municipal votou por unanimidade um dos pontos de uma proposta do Bloco de Esquerda que instava o município a assumir “como prioridade a manutenção do Centro Comercial Stop como Polo cultural, habitado pelos agentes culturais que são os seus atuais arrendatários e proprietários.” E na tarde do mesmo dia, a administração do condomínio assinou o acordo proposto pela Câmara.

Os músicos começaram por apresentar uma contraproposta à autarquia, mas a 2 de agosto acabaram por ceder às condições determinadas pela CMP. Em mais uma conferência de imprensa, Rui Moreira congratulou-se pela decisão dos músicos, mas insistiu que a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tinha de “assumir as suas responsabilidades” e fazer uma inspeção ao edifício. 

Essa inspeção veio a acontecer a 9 e 10 de agosto, tendo, na sequência dessa inspeção, sido produzido o relatório, datado de 18 de agosto, que os serviços jurídicos da CMP usaram para recomendarem o fecho do Stop. É com base no relatório e no parecer que Rui Moreira assinou o despacho de 1 de setembro que determina o encerramento do Stop.

Na última segunda-feira, 4 de setembro, durante uma reunião do Conselho Municipal de Segurança, Rui Moreira reforçou que, perante as conclusões da ANEPC, “não resta outra opção à Câmara” que não o encerramento e que o município vai “cumprir absolutamente” a decisão, independentemente de quem seja a competência.

“Esta não é uma questão de opinião, não é um ato político. É uma questão que vai para lá da responsabilidade civil e criminal. É uma questão de consciência”, afirmou.

Músicos acusam Rui Moreira de faltar ao diálogo 

Assim, pouco mais de um mês depois do regresso aos espaços onde ensaiam e trabalham, os músicos vêem-se de novo na iminência de sair. Jaime Manso refere que os músicos foram colocados em “xeque” pelo despacho de Rui Moreira e acusa o autarca de “falta de diálogo”: “Cumprimos tudo o que nos foi dito e, no início de setembro, somos apanhados por estas notícias. A associação tentou contactá-lo, por e-mail e por telefone, várias vezes, e tentou marcar uma reunião. Isto demonstra falta de capacidade de diálogo do presidente e do seu executivo e demonstra falta de vontade política de manter o Stop aberto”, conclui.

Perante o clima de incerteza instalado, o baixista deu o seu exemplo pessoal: “Eu, pelo sim pelo não, para não ser outra vez surpreendido, vim hoje [sexta-feira] ao Porto levantar parte dos meus instrumentos, porque na última vez fiquei sem acesso a eles.”

Sobre as alternativas de espaço apresentadas pela autarquia, nomeadamente a Escola Pires de Lima, que a CMP quer transformar na Casa dos Músicos, Jaime Manso considera que não são “exequíveis” em tempo útil, quando os músicos estão, neste momento, na sua “época alta de concertos”. 

“A Escola Pires de Lima não é insonorizada. Tem 46 salas, quando no Stop são 120. Tem de ser sujeita a obras. Quando é que estaria pronta com condições para toda a gente que está a trabalhar [no Stop]? Estamos a falar de músicos, não de ocupas. Toda esta gente que alimenta o Porto de cultura vai ser posta na rua”, remata.

O JPN questionou a Câmara Municipal do Porto sobre o tema, mas o gabinete de imprensa da autarquia remeteu explicações para a reunião pública do Executivo, marcada para a próxima segunda-feira (11). 

Entretanto, está disponível online uma petição, com mais de 5 mil assinaturas, que apela à Câmara Municipal do Porto para “reavaliar a sua posição”.