Antes de Samuel Eto’o, houve outro avançado camaronês a impressionar o mundo da bola com o seu faro para o golo. Falamos de Roger Milla, cujas façanhas quase se restringem por completo ao percurso trilhado com os “Lions Indomptables”. Desde logo, o atleta nascido em Yaoundé foi o grande responsável pela estreia dos Camarões na principal competição internacional de seleções, ao ter apontado seis golos na zona africana de qualificação para o Campeonato do Mundo de 1982.
Milla chegou à edição disputada em Espanha já com 30 anos. Por aquela altura atuava no campeonato francês, para onde tinha rumado em 1976 com a distinção de melhor jogador do continente africano. Os Camarões integraram o grupo de Itália, Polónia e Peru e foram para casa com três empates. Roger não marcou, mas continuaria a ficar ligado aos êxitos futebolísticos camaroneses no século XX: a conquista da Taça das Nações Africanas em 1984 e 1988, além da final perdida pelo caminho para o Egito.
Os “Lions Indomptables” não carimbaram passaporte para o Mundial de 1986, mas regressaram quatro anos mais tarde. Milla tinha 38 anos e estava quase retirado do futebol profissional. Aliás, logo após a morte da mãe e a gravidez da sua esposa, optou por fazer uma época sabática nas Ilhas Reunião, ao serviço do JS Saint Pierroise. Foi, por isso, com surpresa que o avançado recebeu, a poucos meses do Mundial, um telefonema do presidente dos Camarões. Paul Biya, seu amigo de infância, pedia-lhe que fosse ao Itália’90. Roger jamais pôde recusar o convite e aceitou a estratégia de entrar nas segundas partes dos jogos.
Foi assim que bisou diante da Roménia na fase de grupos, consolidando o primeiro lugar de um grupo também formado por Argentina e União Soviética. Nas eliminatórias, os africanos encararam a Colômbia, um dos melhores terceiros classificados das séries. O dianteiro acabou por dissipar dúvidas no prolongamento: aos 106’, driblou dois adversários para abrir o ativo; três minutos depois, não foi na cantiga de René Higuita, ao tirar a bola dos pés do guarda-redes e correr para uma baliza deserta.
“Ele tentou-me driblar perto da linha do meio-campo e ninguém dribla o Milla”, provocou o dono da camisola nove, admitindo a sua dívida de gratidão para com outro ícone do futebol colombiano. “Conhecia o estilo arriscado de Higuita já que, durante uma temporada no Montpellier, tive como companheiro o capitão Carlos Valderrama. Ele comentava comigo alguns detalhes da sua seleção. Sabia que, se pressionasse a saída dos defesas, o guarda-redes podia cometer algum erro. Nessa ação, quando o defesa Luis Carlos Perea devolveu a bola a Higuita, soube que era o meu momento. Não desaproveitei”, explicou.
“Um erro do tamanho de uma casa”, comparou “El Loco”, que acabou por ser responsabilizado pela eliminação do seu país. A Colômbia ainda reduziu, mas os Camarões asseguraram em Nápoles o acesso aos quartos de final da prova. Um feito até então inédito para uma seleção africana, igualado pelo Senegal em 2002 e pelo Gana no Mundial da África do Sul.
Milla e companhia, que haviam derrotado a campeã Argentina no jogo de abertura, só vacilaram no confronto diante da Inglaterra. Gary Lineker fez o 3-2 em tempo extra e pôs fim ao sonho camaronês. Na retina ficou um futebol alegre, atestado pela dança promovida junto à bandeirola de canto na comemoração de cada golo. Eram movimentos dignos do samba, numa homenagem à inspiração que o futebol brasileiro deixou no povo africano com as excursões do Santos nos anos sessenta.
Nos quatro anos seguintes, Roger não voltou a atuar pela seleção camaronesa. Contudo, mal os “Lions Indomptables” asseguraram a qualificação para o Mundial dos Estados Unidos, Paul Biya repetiu os procedimentos para voltar a contar com o atleta. Com 42 anos e 39 dias, Milla quebrou a marca do norte-irlandês Pat Jennings para se tornar o mais velho jogador a disputar a competição – marca que só foi quebrada em 2014, quando Faryd Mondragón, de 43 anos e três dias, participou na vitória colombiana sobre o Japão.
Os Camarões caíram logo na fase de grupos. Ainda assim, Roger Milla tornou a introduzir-se nos livros de estatísticas: ao festejar diante da Rússia, numa derrota por 1-6, fixou-se como o jogador mais velho a marcar um golo no Campeonato do Mundo. Uma marca de longevidade que permanece vigente.
“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.