Desde o colapso do comunismo, a Rússia não conseguiu repetir os resultados futebolísticos da União Soviética. O país estreou-se como independente no Mundial 1994, tendo calhado num grupo com Brasil, Suécia e Camarões. Derrotas frente aos futuros tetracampeões e ao terceiro classificado do torneio encurtaram as hipóteses russas de qualificação para a segunda fase. Só que uma surpresa, nascida dos pés de um jogador da antiga república comunista, estava prestes a surgir.

Oleg Anatolyevich Salenko celebrizou um recorde único na história do torneio, ao anotar cinco golos num só encontro. Foi o que aconteceu na goleada (6-1) da Rússia sobre os Camarões, no californiano Stanford Stadium. As “águias douradas” entraram para a última jornada com chances matemáticas de apuramento, já que a edição de 1994 atirava os quatro melhores terceiros classificados para as eliminatórias. Por isso todos os golos podiam fazer a diferença nas contas finais. “Chegámos à última jornada com a necessidade de ganhar por goleada. Cada vez que marcávamos já estávamos a pensar noutro golo. Na altura não entendi que acabava de fazer algo importante, mas agora que já estou retirado entendo que foi um dia histórico”, afirmou recentemente à Agência Efe.

Frente a uma seleção africana já desacreditada, Salenko fez três golos na primeira parte. Roger Milla descontou no início da etapa complementar, antes de o avançado russo chegar à manita. “A minha proeza está no Livro Guinness, mas os recordes são para ser quebrados. O problema é que agora as equipas marcam dois golos e dedicam-se a segurar o resultado. No passado, quando marcávamos, corríamos como loucos por mais golos”, nota.

O triunfo folgado alimentou esperanças momentâneas nas hostes russas, mas não chegou para evitar uma eliminação precoce. Seja como for, o encontro fica arquivado nos compêndios do Mundial pelo ímpeto de Salenko, que já tinha marcado de grande penalidade à Suécia, e pela longevidade de Milla.

Com seis golos, o avançado russo foi o artilheiro-mor do Mundial 1994, juntamente com Hristo Stoitchkov. Ambos levaram uma Bota de Ouro para casa, mas Salenko ganhou vantagem por ter jogado menos 443 minutos do que internacional búlgaro. Cinco anos antes sagrou-se o melhor marcador do Mundial sub-20, pelo que se estabeleceu como o único jogador a ser máximo goleador dos dois torneios organizados pela FIFA.

Ainda assim, o dianteiro não justificou tamanha fama durante boa parte da carreira. Salenko nasceu a 25 de outubro de 1969 em Leningrado, naquele tempo parte da URSS e hoje em dia conhecida como São Petersburgo. De origem ucraniana, começou a jogar futebol no Zenit e depois assinou pelo Dínamo de Kiev. Em 1992/93, após entraves com a obtenção do visto espanhol, integrou os quadros do Logroñés. Pela mesma altura estava a estrear-se na recém-criada seleção russa, que se qualificou pela primeira vez como país independente para o Mundial 1994.

O país chegou desfalcado aos Estados Unidos, já que alguns elementos tiveram conflitos internos com o selecionador nacional Pavel Sadyrin. O dianteiro, então com 24 anos, seguiu na comitiva e encarnou a camisola nove nos três jogos e seis golos somados em solo norte-americano. O feito veio em boa hora, já que Oleg Salenko tinha acertado a transferência para o Valência antes do Mundial. Só que o embalo terminou aqui. No Mestalla, o russo apontou dez golos em 31 jogos e acabou dispensado ao fim de um ano.

Ironicamente, a partida dos cinco golos encerrou a carreira internacional. Oleg Romantsev assumiu o comando técnico após o Mundial dos EUA e ficou descontente com a recusa de Salenko em jogar partidas de carácter particular. Ao todo, o ponta de lança somou seis golos em oito partidas pela Rússia. Seguiram-se passagens fracassadas por Rangers, İstanbulspor, Córdoba e Pogoń Szczecin. O avançado tentou chegar ao Mundial 2002, mas foi impedido por problemas nos joelhos e retirou-se dos relvados em 2001, com 32 anos.

Depois de pendurar as chuteiras, Salenko chegou a comandar a seleção ucraniana de futebol de praia e fez comentários para uma emissora do mesmo país. Voltaria às manchetes em 2010, quando colocou à venda a Bota de Ouro recebida em solo norte-americano. “Tenho um pequeno negócio que sofreu abalos durante a crise e estou à procura de crédito. Posso sobreviver sem a venda do troféu. A situação não é tão desesperante, mas é difícil resistir à oferta dos árabes”, admitiu na altura. Em cima da mesa estavam 500 mil dólares oferecidos por um xeque dos Emirados Árabes Unidos. Oleg preferiu desistir da troca.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.