Os Jogos Olímpicos (JO) são hoje a prova desportiva mais importante do mundo. Representam um momento de grande importância para milhões de pessoas, entusiastas de desporto ou não. Simbolizam a procura pela excelência, pela criação de legados intemporais que prevalecem na História.

E enquanto que os Jogos já evoluíram a níveis inimagináveis, estes mesmos princípios prevalecem desde a Antiga Grécia. Os Antigos Jogos Olímpicos eram um marco da grandeza grega, e estavam completamente interligados com os valores da sociedade e da cultura da época. E, tal como esses valores, os JO perduraram durante mais de um milénio. Entre 776 a.C. e 393 d.C., Olímpia era o centro de todas as atenções.

E a verdade é que o fim dos Jogos Olímpicos na Antiga Grécia simboliza também o início da decadência grega como uma potência mundial. É este o ponto de partida para as primeiras sugestões do regresso dos Jogos na era moderna. Apesar de ter sido Pierre de Coubertin o grande impulsionador da primeira edição em si, a de 1896 em Atenas, foi com o poeta grego Panagiotis Soutsos que ideia primeiro surge.

Panagiotis Soutsos Foto: Wikimedia Commons

E para perceber o contexto em que Soutsos faz a primeira referência aos JO, é preciso entender a Grécia do início dos anos 30 do século XIX. Em 1832, os gregos ganharam finalmente controlo sobre grande parte do seu território, depois de uma longa guerra com o Otomanos. Depois de um período extenso de controlo turco do território, a Grécia era um país muito atrasado em relação ao resto da Europa Ocidental.

Soutsos, que tinha sido expatriado na sua infância, faz a viagem de regresso a casa, e instala-se em Nafplio, onde fundou um jornal, o “The Sun”. É precisamente nessa publicação que lança o poema que faz referência aos Jogos. Soutsos, como muitos gregos na altura, sentia um grande peso nele para fazer da Grécia uma nação como havia sido na Antiguidade.

Em 1833, publica um poema intitulado de “Diálogos dos Mortos”. Neste, o fantasma de Platão volta dos mortos para observar a sua antiga pátria. Pergunta se aquilo que está a ver é realmente a Grécia e faz duas principais interrogações: “Onde estão todos os vossos grandes teatros, as vossas estátuas de marfim?” e “Onde estão os vossos Jogos Olímpicos?”.

A partir deste poema, Soutsos ficou com a ideia plenamente implantada na sua cabeça, e de lá nunca mais saiu. Em 1835, manda uma carta ao Governo a propor o regresso dos Jogos Olímpicos. Apesar do rei na altura ter aceite realizar algum tipo de evento que se parecesse com os JO, acabou por nada fazer para materializar o sonho de Soutsos.

Um sonho partilhado

Ao longo da sua vida, o poeta foi fazendo inúmeros apelos tanto ao poder governativo como ao público, mas nunca teve grande apoio de nenhum lado. Até que, em 1856, conhece Evangelis Zappas, um veterano da Guerra da Independência Grega. Soutsos explicou a sua ideia a Zappas, que ficou imediatamente rendido. Ainda em 1856, Zappas fez o mesmo apelo ao rei que Soutsos havia feito, só que disse também que financiava na totalidade o evento.

Evangelo Zappas Foto: Wikimedia Commons

A ideia continuou a não trazer consenso no executivo, que achava o atletismo algo primitivo. Desta forma, para agradar a generalidade, Soutsos e Zappas aceitaram incluir concursos industriais e agrícolas. O compromisso foi atingido e as “Olimpíadas Zappas” ficaram marcadas para 1859.

O espírito olímpico começou, a partir deste anúncio do regresso de olimpíadas à Grécia, a espalhar-se. Principalmente na Inglaterra, através de W.P. Brooks, um médico de uma pequena vila chamada Wenlock. Brooks tinha já organizado uns eventos desportivos na sua pequena terra, muito devido à sua admiração pela Antiga Grécia.

Inspirado na notícia que leu sobre as “Olimpíadas Zappas”, decidiu expandir a edição anual dos Jogos que fazia em Wenlock. Chamou-lhe os “Jogos Olímpicos Anuais de Wenlock”. Além disso, ofereceu-se para financiar um dos primeiros prémios das olimpíadas a decorrer nesse ano em Atenas.

Apesar de muito entusiasmo, os Jogos organizados por Zappas não foram um sucesso, e este morreu apenas alguns anos depois, em 1865. Na altura, deixou toda a sua fortuna ao país para este investir nos Jogos Olímpicos, incluindo a construção de um edifício Olímpico. Mas tudo isto se atrasou e o sonho de Soutsos e Zappas entrou numa longa pausa.

Já na Inglaterra, Brooks não desanimava e continuava a fazer crescer o espírito olímpico no país. Expansão atrás de expansão levaram aos primeiros Jogos Olímpicos Nacionais, que aconteceram em 1866 em Londres. Foram um grande sucesso e o movimento tinha tudo para continuar o seu rápido crescimento.

Os contratempos do elitismo

Mas foi precisamente um dos princípios-chave que Brooks tinha que acabou por o abrandar e eventualmente travar – o de que toda a gente podia participar. Política esta que a elite britânica não apoiava. Estes foram fazendo tudo ao seu alcance para travar a participação da classe-média nas provas, criando o estatuto de amador, afirmando que apenas quem não trabalhasse para ganhar a vida podia participar.

Brooks não aceitou esta premissa, mas o poder que esta elite detinha sobre as restantes provas desportivas nacionais – proibiam qualquer atleta que participava nos Jogos organizados pelo médico de entrar noutros eventos ao longo do ano – acabou por levar à desistência de Brooks.

Neste jogo de avanços e recuos entre Inglaterra e Grécia, a ideia da criação de uns Jogos Olímpicos internacionais começava cada vez a parecer menos estranha e impossível. Em 1870, foram realizadas umas novas “Olimpíadas Zappas”. Mais eventos, mais atletas e melhor organização resultaram num sucesso generalizado. No entanto, como havia acontecido em Inglaterra, um grupo de professores universitários da elite não gostaram da quantidade de medalhas conquistadas pela classe média, e lentamente ganharam controlo do Comité Olímpico da Grécia, eliminando os trabalhadores das olimpíadas seguintes.

William Penny Brookes Foto: Wenlock Olympian Society

Estas acontecerem em 1875, apenas com estudantes universitários e foram muito inferiores em termos de qualidade em relação às anteriores. Não houve mais Jogos em Atenas até 1888.

Nesse ano, foi finalmente inaugurado o edifício que Zappas havia ordenado construir, chamado de Zappeion. Foi realizada uma edição especial dos JO em celebração, mas novas interferências por parte do Comité resultaram na não realização de provas atléticas, o que tornou a prova um novo fracasso.

A materialização do sonho

Já Brooks não desistia do seu sonho, apesar de ter sido obrigado a parar com os Jogos Olímpicos Nacionais. Em 1880, finalmente faz a sugestão de uns JO internacionais. 10 anos depois, um jovem Pierre de Coubertin viajou até Wenlock para conhecer e conversar com Brooks. O francês era um académico que se havia especializado em história e, principalmente, educação.

A reunião com o inglês esteve muito relacionada com a componente física da educação – Brooks tinha já proposto há algum tempo uma aposta na prática desportiva nas escolas. Coubertin inicialmente pôs a ideia dos Jogos internacionais de lado, não lhe reconhecendo grande mérito.

Contudo, já em 1892, Coubertin mudou radicalmente de opinião. Começou a fazer pressão para que esta prova internacional tivesse lugar, ainda que não mencionando o nome de Brooks como o ideólogo original. Preparou um Congresso Olímpico Internacional em Paris para o ano de 1894. Conseguiu o apoio dos congressistas lá presentes e reuniu o consenso necessário para a criação de um Comité Olímpico Internacional (COI).

Inicialmente, a primeira edição dos Jogos Modernos estaria marcada para Paris em 1900. Contudo, a data foi adiantada, e apesar de primeiro ter sido proposta a cidade de Londres para o ano de 1896, Coubertin não aceitou a sugestão da capital inglesa. Em alternativa, propôs a cidade de Atenas, e insistiu até conseguir a sua vontade.

Apesar de resistência por parte do Comité Olímpico das “Olimpíadas Zappas”, estes foram, com algum tempo e bastante pressão, convencidos que estas Olimpíadas Internacionais seriam de facto a materialização do sonho de Zappas e Soutsos.

Na verdade, segundo o historiador David Young no seu livro “A Brief History of the Olympic Games”, de onde boa parte da informação deste artigo foi retirada, Coubertin fez pouco do trabalho de organização. Afirma que foi Demetrias Vikelas, um intelectual grego que havia sido eleito presidente do COI, quem coordenou grande parte dos esforços para que a primeira edição dos Jogos Modernos se realizasse e tivesse sucesso.

Infelizmente, Brooks não viveu para ver o seu grande sonho concretizado – morreu apenas três meses antes do início da prova. Desta forma, nenhum dos impulsionadores originais (Soutsos, Zappas, Brooks) conseguiu ver os JO em ação.

Sobre a edição de 1896, tal como as quatro seguintes, ainda há muito para dizer. A viagem de Atenas a Tóquio continua para a próxima semana.

Artigo editado por João Malheiro