Na entrada para o século XXI, a FIFA entregou pela primeira vez a organização do Campeonato do Mundo a dois países em simultâneo: Japão e Coreia do Sul. Ambos puseram de lado divergências e montaram um dos torneios mais bem-sucedidos ao nível logístico. Dezasseis edições depois, a prova deixava de ser disputada na Europa ou nas Américas para alargar mercados ao Extremo Oriente.

Foi por isso um Mundial atípico, em condições diferentes e num fuso horário pouco habitual. Resultado disso ou não, abundaram as surpresas. Desde logo por causa dos anfitriões, que nunca haviam chegado à segunda ronda. Se os japoneses faziam apenas a segunda participação no certame, os sul-coreanos eram a seleção asiática com mais presenças em fases finais.

Potenciados pelo holandês Guus Hiddink, futuro herói nacional em Seul, os “Taegeuk Warriors” começaram por eliminar Portugal na primeira fase. Já os samurais passaram o grupo à frente da Bélgica. Os dois organizadores jogaram os oitavos no mesmo dia, mas provaram sortes diferentes. O Japão foi eliminado por uma Turquia muito competitiva, enquanto a Coreia do Sul tinha frente à Itália uma batalha digna de Hércules.

Christian Vieri (18’) e Seol Ki-Heyon (88’) desenharam um empate nos 90 minutos. Foi preciso tempo extra, no qual Ahn Jung-Hwan passou de vilão a herói. O avançado, que tinha falhado um penálti, bateu Gianluigi Buffon de cabeça e confirmou a passagem sul-coreana com um golo de ouro aos 117’. Os italianos caíam na morte súbita e o presidente do Perugia não poupou o avançado que atuava pelos “Grifoni”. “Este senhor não colocará mais um pé aqui. Foi um fenómeno apenas contra a Itália. Não tenho intenção de pagar o salário a quem arruinou o futebol italiano”, afirmou Luciano Gaucci. Depois do Mundial, Jung-Hwan assinou pelos japoneses do Shimizu S- Pulse.

No radar das críticas também assomava o árbitro equatoriano Byron Moreno, que deu vermelho a Francesco Totti por simular um penálti durante o prolongamento. De facto, a polémica em torno da arbitragem foi um dos pontos mais discutidos durante o Mundial 2002. É que a FIFA quis alargar o leque de escolhas, em detrimento de juízes europeus com muito mais experiência.

Nos quartos de final continuou a saga à volta do apito. Em Gwangju, a Espanha viu dois golos serem anulados frente à Coreia pelo egípcio Gamal Ghandour. Um por fora de jogo discutível, outro porque o árbitro assistente assinalou erradamente que a bola estava fora de campo, antes de Joaquín cruzar para o cabeceamento certeiro de Fernando Morientes. Não houve golos até ao final do prolongamento, pelo que foi necessário recorrer aos pontapés da marca dos onze metros. Após Lee Woon-Jae ter defendido o remate de Joaquín, o capitão Hong Myung-Bo garantiu as primeiras meias-finais da história para uma formação asiática. Já em Osaka, İlhan Mansız tratou de apurar a Turquia frente ao Senegal com novo golo de ouro.

O conto de fadas dos coreanos conheceu o seu epílogo perante a Alemanha de Michael Ballack. Na outra meia-final, a Turquia reencontrou o Brasil, com quem tinha jogado na fase de grupos. Ronaldo Nazário marca o golo que leva o “escrete” ao jogo decisivo. O troféu foi parar à equipa comandada por Luiz Felipe Scolari, que conquistou o penta.

Já na partida de atribuição do terceiro lugar, bastaram 11 segundos para Hakan Sükür inaugurar o marcador a favor da Turquia. O lance-relâmpago aconteceu em Daegu e ficou eternizado como o golo mais rápido da história dos campeonatos do Mundo. Com uma particularidade: o pontapé de saída foi dado pelos asiáticos. A derrota da Coreia do Sul por 3-2 não apagou, contudo, a imagem de uma seleção equilibrada entre os fatores emocionais e os conceitos táticos.

O golo de Sükür quebrou um recorde de 40 anos – em 1962, Václav Masek precisou de 15 segundos para colocar a Checoslováquia em vantagem sobre o México. O avançado, que na altura jogava pelo Parma, só apontou um único golo no Mundial do oriente. Registo suficiente para inscrever o seu nome na história do torneio. Retirado dos relvados desde 2008, totalizou 51 remates certeiros em 112 internacionalizações. Estabeleceu-se mesmo como o jogador com mais golos na história da seleção turca.

Depois de se ter reformado da vida futebolística, o ex-futebolista enveredou pela carreira política através do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP). Durante três anos foi aliado do governo de Recep Tayyip Erdoğan e deputado no parlamento turco. No entanto, Hakan veio a cair em desgraça devido a alegados escândalos de corrupção. Demitiu-se do partido conservador em dezembro de 2013 para se tornar deputado independente. Sükür estava em espiral descendente e em 2016 tudo ficou pior: foi acusado de golpe de estado e afiliação a grupos terroristas armados.

Sujeito a um mandato de captura, o ex-jogador exilou-se nos Estados Unidos para escapar de um regime que controla o exército, os tribunais, a comunicação social e até a Internet. Hakan habita na Califórnia e gere um café cuja especialidade são pequenos-almoços turcos. “Teria tido uma bela vida se tivesse feito o que eles queriam. Infelizmente eles [o governo] controlaram a comunicação social para manipular a opinião das pessoas sobre mim. Talvez um dia regresse, mas agora vendo café”, contou o antigo futebolista, de 46 anos, ao jornal norte-americano “The New York Times”.

Apesar de ter um visto de residência válido por mais dois anos, Hakan Sükür acredita que o governo de Trump vai conceder-lhe a residência permanente. Caso contrário volta à Turquia, onde está habilitado à possibilidade de prisão perpétua ou, até, à pena de morte.

“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.