À décima nona edição, o primeiro torneio decorrido no continente africano. Depois da estreia asiática em 2002, coube à África do Sul organizar o Campeonato do Mundo de 2010. Manda a tradição que o sacrifício de uma vaca em cada estádio da competição fosse um batismo consentâneo com os ideais do país de Nelson Mandela. Só que os protestos das organizações de defesa dos direitos dos animais impuseram a necessidade de um acordo, pelo que só foi morto um boi, a 25 de maio, no Soccer City, em Joanesburgo.
Mais desconcertante só mesmo o ruído das vuvuzelas, que durou toda a competição. Metade das seleções europeias, incluindo a detentora do troféu Itália e a vice-campeã França, não resiste. Por outro lado, a África do Sul não fez render o fator-casa. Os “Bafana Bafana” entram para a história como a primeira e única nação anfitriã a ser eliminada na fase de grupos. Imunes ao cenário, Espanha e Holanda ajudam a desenhar uma final totalmente europeia pela oitava vez no Mundial de futebol, a segunda de forma consecutiva.
“La Roja” chegou à África do Sul como campeã europeia. Ao recorde internacional de 35 partidas sem derrotas entre 2007 e 2009 juntou-lhe uma forma de jogar recuperada do Barcelona de Pep Guardiola. Vicente Del Bosque deu continuidade ao trabalho iniciado por Luís Aragonés, promovendo à equipa-tipo espanhola sete jogadores “blaugrana”: os dois centrais (Carles Puyol e Gerard Piqué), os três médios (Sergio Busquets, Xavi Hernández e Andrés Iniesta) e os dois avançados (Pedro Rodríguez e David Villa). Foi, por isso, fácil colocar Espanha a seguir os princípios definidos no tiki-taka catalão, ladeado por cinco executantes do Real Madrid e somente três futebolistas a jogar fora de Espanha.
Apesar de ter entrado mal, ao perder na estreia frente à Suíça (0-1), “La Roja” recuperou depressa e atingiu o nível que tinha habituado os adeptos na qualificação. Depois de ter superado Honduras (2-0) e Chile (2-1), eliminou Portugal, Paraguai e Alemanha sempre pela margem mínima. Cape Town assiste ao triunfo espanhol sobre as quinas, bastando um golo de David Villa, aos 63 minutos.
No Ellis Park de Joanesburgo, o avançado asturiano voltou a demonstrar frieza, já depois de Espanha e Paraguai terem desperdiçado um penálti cada. Seguiu-se a reedição da final do Europeu 2008, agora em Durban, com Puyol a estender a passadeira para a primeira final do seu país. 32 anos depois, a Holanda regressava ao jogo decisivo com um pleno de vitórias acentuado pelas eliminações de Brasil (2-1) e Uruguai (3-2).
Nelson Mandela ainda apareceu no pré-jogo, qual embaixador da África Negra, mas não foi suficiente para inspirar um duelo leal. O cinismo carregado de agressividade era a fórmula holandesa para combater a fluidez do jogo espanhol. Não espanta que o árbitro inglês Howard Webb tenha ido ao bolso quinze vezes durante 120 minutos de pouco futebol. A violenta entrada de Nigel de Jong sobre Xabi Alonso fica para a posterioridade como uma das imagens marcantes da final disputada no Soccer City.
Contudo, foi da “laranja mecânica” a melhor oportunidade em tempo regulamentar: Robben foge entre Capdevilla e Piqué, entra isolado na área espanhola, mas Iker Casillas movimenta a perna direita para impedir um golo certo. No prolongamento, Heitinga vê o segundo amarelo, e a Espanha encontra aí um último fôlego para forçar o golo. A quatro minutos do fim, Fàbregas recupera a bola e toca para Iniesta, que fuzila a baliza de Stekelenburg.
“La Roja” consagrava-se a melhor equipa do planeta de camisola na mão e um tributo ao velho amigo Dani Jarque, jogador do Espanyol, falecido em agosto de 2009. “Dani Jarque, siempre con nosotros”, lia-se na caveada vestida pelo número seis, que tinha sido o único totalista na conquista do Euro 2008 e viria a ser eleito o melhor jogador do Europeu 2012, também ganho pela Espanha. Três coroas para um futebolista feito de criatividade e precisão com e sem bola.
A Holanda provava do mesmo veneno que portugueses, paraguaios e alemães haviam experimentado nos dias anteriores. Era a terceira final com sabor amargo para a laranja, depois das duas quedas sucessivas em 1974, frente à Alemanha Ocidental, e em 1978, diante da Argentina. Já a Espanha, ao fim de oitenta anos de frustrações, conquistou finalmente o título que tanto ambicionava. Foi a primeira nação europeia a ganhar o Campeonato do Mundo fora do Velho Continente, além de se ter tornado no oitavo sócio do clube de campeões planetários. Saía premiado um estilo que usava quantidades absurdas de posse de bola para asfixiar adversários e suportar com mais segurança toda a aleatoriedade oferecida por um jogo de futebol.
“Almanaque Mundial” é um rubrica diária do JPN que mergulha em curiosidades da principal competição futebolística de seleções.
Artigo editado por Filipa Silva